Zé Maria e Janjão
— Massa bloco, bloco massa, Janjão! Gritou Zé Maria de cima do andaime da obra.
O tempo passava, passava e o material não chegava.
— Massa bloco, bloco massa janjão! Repetiu enfáticamente.
— Ou você quer massa ou você quer bloco Zé Maria? Respondeu João revoltado de ouvir aquele chato repetindo sempre a mesma coisa.
João era um homem baixinho, trabalhador, com cara fechada, marrudo e jeito de quem não levava desaforo para casa. Vivia sozinho desde o momento em que sua família tornou-se evangélica e não o aceitou mais em casa. Isto era o que ele dizia, mas na opinião dos outros, ele era muito chato e por isso sua família não o suportou e o expulsou. Bom, a verdade mesmo, só ele e seus familiares deviam saber, se é que existe a verdade no sentido coletivo.
José Maria, rapaz loiro, ainda jovem, aparentemente calmo. Ele, assim como João, era trabalhador, mas um pouco mulherengo. Já fôra casado, mas não deu certo. Durante o período da obra envolvera-se com uma mulher da religião mórmon. Durante muito tempo, lia durante o almoço “O Livro dos Mórmons”. A mulher tinha quatro filhos e arranjou-lhe emprego na igreja de pedreiro para ficar fazendo manutenção, mas não durou muito, pois dentro do próprio espaço da igreja, alguém o caloteou e ele revoltado deixou a igreja, voltando para a obra. Pelo menos é o que ele dizia.
João já era nervoso por natureza e Zé Maria irritava-o mais ainda com aquele comportamento se repetindo o tempo todo. Na realidade era muito difícil para João dar conta dos três trabalhadores que estavam sobre o andaime. Primeiro, ele precisava misturar a massa e para isso ele tinha de providenciar, ou melhor, buscar com o carrinho a areia, a cal e o cimento. Misturar tudo com a pá ou a enxada e após misturado, amolecer a mistura com água. Sem dizer que com o passar do tempo a massa ia endurecendo por causa do sol e era preciso amolecê-la novamente. Fazia parte das funções dele, também, colocar blocos sobre o andaime ou às vezes jogá-los.
Zé Maria sabia das dificuldades para o João dar conta do ritmo de trabalho dos três pedreiros, mas o que ele queria mesmo era irritar e deixar o João nervoso, por isso se faltasse qualquer material, mesmo que fosse apenas um, ele pedia dois:
—Massa bloco, bloco massa Janjão!
— ou você quer bloco, ou você quer massa, Zé Maria?
— Massa bloco, bloco massa, massa bloco, bloco massa, massa bloco... Zé Maria repetiu a mesma exigência por um grande número de vezes seguidas e soletrando as palavras cada vez com mais velocidade e ênfase.
Aquilo foi irritando João, mas na medida do possível, ele tentava dar conta do recado.
O trabalho produzido pelos pedreiros exigia muito material. De vez em quando alguém descia do andaime e dava uma ajuda para o João, mas mesmo assim sempre faltava material. Às vezes João tinha terminado de por o material no andaime e já ouvia a ladainha do Zé Maria que imprimia um ritmo de trabalho bem mais acelerado para acabar logo com o material só para poder gritar:
—Massa bloco, bloco massa Janjão!
João de repente começou a resmungar e xingar o Zé Maria. Trabalhava e xingava. Mexia a massa e xingava. Carregava blocos e xingava.
— Massa bloco, bloco massa, massa bloco, bloco massa, massa bloco... Cada vez mais o Zé Maria irritava o João.
João, já muitissimamente revoltado, correu e pegou uma picareta, elevou-a sobre a cabeça e gritou ao Zé Maria:
—Desce aqui se você é homem?
— Guarda essa picareta janjão. Eu não quero te machucar! Respondeu Zé Maria.
— Desce aqui se você é homem Zé Maria?
— Você quer brigar?... Vou mostrar pra você como eu sou homem! Ao falar, Zé Maria saltou do andaime de mais de dois metros de altura caindo com sua bota preta sobre um amontoado de terra. Pegou uma pedra grande que estava no chão e correu para cima do João, o qual se encolheu todo, amedrontado, em um canto do muro lateral do terreno e disse quase chorando:
— Não me bate Zé Maria! Não me bate Zé Maria! Evitando olhar nos olhos de Zé Maria.
Zé Maria em um movimento rápido tomou-lhe a picareta das mãos e jogou-a longe.
— Por que fica chamando pra briga se não agüenta? O Senhor é um covarde, um fracote mesmo! Vê se manda logo esse material e para de resmungar o tempo todo.
João estava praticamente chorando de medo. Naquele momento, senti ruir aquela couraça dura que ele usava para se defender da dura realidade de ser um homem sofrido, magoado, sozinho e maltratado pela vida.
Na rua passava um grande número de alunos de uma escola das adjacências. Todos pararam e ficaram assistindo aquela cena. Alguns, assustados com o resultado a que poderia chegar aquele acontecimento. Não sei por que o ser humano gosta de ver tragédias? Qualquer acontecimento que envolva violência sempre atrai um grande número de curiosos que chegam mesmo a se envolver emocionalmente..
Após aquele “acidente”, o trabalho continuou no mesmo ritmo. Porém, Zé Maria já não irritava o João como antes e João parou de ser tão marrudo. Na verdade, aquela tarde se tornou muito mais silenciosa naquele ambiente de trabalho. Poucos dias depois, o muro terminou de ser construído e cada um foi para o seu lado e eu, nunca mais os vi.