Sai de Baixo!
Nunca percebera os feixes de luz que formavam, ou melhor, deformavam a cidade. No entanto, nenhum feixe esquadrinhara suas feições. Considerara o parapeito promissor para o início de sua derrota gloriosa. Destinara poucos minutos para discorrer lamúrias, do alto do bloco que abrigava sua fuga cotidiana e, com invejável simetria, paralelizava gotas sujas. O vento gelado, mais sensível aos pés descalços, implorava a renúncia ao planejado. Triste engano, somente cobiçava o vôo. O gelar dos olhos em nada afetaria a viagem e o tremor dos órgãos acelerava, deliciosamente, o íntimo.
Apagara as luzes do esconderijo para evitar percepções comuns dos que formavam o tapete humano no solo. No entanto, o desespero social guiara os olhos medrosos para a tragédia propícia. Mostrava-se passivo aos gritos de reprovação, condicionados aos que buscam ajudar, mas que se envergonham dos passos acanhados. A verticalidade que o separava das cabeças iguais o impedia de sentenciá-las. Nunca pedira sucesso...Pedira sucessor.
Confortável no cenário sujo que o distanciava do solo lembrou-se de seu toque. Macio e abrangente, percorria as falanges, pressionando sem prévio aviso, as junções. As mãos, em formato de concha, aqueciam suas palmas. Que irônico, naquele momento aplaudira a vitória da tristeza, quase se desequilibrando do fino espaço que roçava seus pés. Ainda não era o momento. Antes, jurara livrar a alma das irregularidades da mente.
Pedira perdão pelas fraquezas que a deixaram partir. Misturava o caminho do choro com os lábios úmidos, chegando a cambalear ao lembrar do gosto doce. Esmagara as pálpebras, expulsando o último suco que a representara. Já na ponta dos pés, esticara os braços o máximo possível. Ouvira certa vez que o início da queda forçava o desmaio e impedia que a dor surgisse.
Já com o corpo colado ao chão, entre gritos de pânico dos covardes que nada entendiam, os lábios sorriam.
Sentira tudo.