DE VOLTA PARA CASA
Avenida Morumbi, 11115 – 16° andar, 17h00.
Finalmente sexta feira...
Fim de uma semana de cão com reuniões desde a segunda.
Todos os dias das nove às dezessete horas, sobre todos os assuntos que nós, os gerentes regionais, tínhamos que prestar contas aos diversos departamentos.
Sim, éramos os executivos da gerência nacional de serviços e em nossas atribuições estavam desde relatórios gerenciais, para subsidiar decisão da diretoria até o controle do gasto de papel higiênico, pelos funcionários do depósito.
Despedidas, tapinhas nas costas e o anuncio de que a perua que nos levaria para Congonhas já estava na garagem no subsolo do edifício todo em mármore e vidros Ray Ban.
Peguei a mala que tinha trazido do hotel quando, pela manhã, havia assinado a fatura e dado o até breve, à camareira que fora minha companheira nas cinco noites, extremamente frias, daquela São Paulo em fim de inverno, tirei a gravata liberando o colarinho, e pus no bolso do paletó.
Na fila do chek in, ouvíamos pelo auto falante a voz, de gozo interrompido, da moça anunciando que o voo para Porto Alegre e escalas estava no pátio.
Nesse voo embarcariam os gerentes do Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Mais cinco minutos e os passageiros para Manaus e escalas deveriam embarcar e com eles, os gerentes de Salvador, Brasília e Belém sumiram pela porta do ônibus estacionado do outro lado do vidro.
Meu voo, direto, sairia às 21h00...
Fui tomar o café expresso do aeroporto, reconhecidamente, o melhor de São Paulo.
Na fila para a ficha, ela estava em minha frente...
Aparentemente nada de excepcional para chamar atenção naquela moça magra, vestida com sobre tudo cinza, luvas de couro, botas e boina cinza com friso preto.
A maquiagem muito discreta ressaltava suavemente o contorno dos lábios finos...
A demora no atendimento, fez com que eu sentisse o suave e inebriante perfume daquela criatura diáfana, com a palidez própria dos paulistanos que sabem que o sol existe, mas nunca o vêem.
Uma senhora tentava comprar lanche para dois adolescentes que queriam tudo e ao mesmo tempo não decidiam o que comprar.
Suspirei de cansaço e irritação pela cena que se desenrolava em minha frente.
A moça virou-se e com um sorriso disse - adolescentes...
- É. Confirmei com indiferença.
Lá fora, a garoa que caia sem interrupção desde a quarta feira, transformou-se num temporal com queda de granizo e muito vento.
A voz de cadela no cio, informou que o aeroporto estava fechado para decolagens por uma hora.
De pé, em frente ao janelão, vi as pedras grandes como bolas de ping pong, tamborilando sobre os ônibus estacionados na pista.
Em novo anuncio, ficamos sabendo que o aeroporto estava totalmente fechado e todos os voos suspensos...
Eu estava preso, na porta de saída de São Paulo, por conta do tempo cuja previsão era das mais sombrias...
Fui ao restaurante no segundo andar...
Nada havia para fazer a não ser esperar.
Os olhos e a mente cansados não me animavam a comprar nada.
Entrei na Sodiler apenas pelo hábito.
Ela estava lá, sentada numa poltrona, foleando uma revista sem muito interesse.
Peguei uma revista e sentei na poltrona em sua frente. Ela fitou-me com um leve sorriso.
- Estamos presos aqui.
- Pois é. Se o tempo permanecer assim, passaremos a noite toda no aeroporto, pois a companhia não vai fazer nada...
- Não. Se não abrir a companhia terá que providenciar acomodações para os passageiros.
- Só para os em trânsito.
- Mas eu sou passageiro em trânsito, vim do Recife e estou voltando... Minha passagem está marcada desde a semana passada na mesma companhia que me trouxe.
- Você é do Recife?
- Sim. E você?
- Sou paulistana.
- Então está em casa.
- Minha casa é em Santo André na Grande São Paulo, até lá, é quase um dia de viagem...
Rimos de nossa situação.
- Vamos jantar? Perguntei de chofre. Não admito recusa.
Ofereci a mão para ajudá-la a levantar-se, deixamos as revistas sobre a mesinha e seguimos para o restaurante quase vazio.
Ninguém se dispunha a comer numa situação daquelas.
Pedi ao Maitre um Marjolet rose, dois filés de garoupa à dorê com purê e arroz. Para a sobremesa suflê de pistache e um Casque d’Or duplo para a entrada.
- Bela pedida, senhor. Mais alguma coisa?
- Sim. Precisamos lavar as mãos.
- Por aqui, por favor. Podem deixar os casacos nas cadeiras.
De fato o aquecimento estava funcionando bem. Lá fora 5°C, no restaurante 20°C, quando voltamos o conhaque já estava servido.
- Fala-me de você. Afinal aceitei o convite para jantar com um estranho. (risos)
- Minha história é muito simples. Administrador de empresas, casado, dois filhos, um cachorro vira lata, um carro velho, uma casa com prestações que vão vencer daqui a cem anos. Trabalho numa companhia de bebidas e acabo de passar a semana mais estafante de minha vida com reuniões desde a segunda feita até as dezessete horas de hoje, louco para chegar a casa e preso no portão de embarque pelo tempo louco de São Paulo, (risos), agora é sua vez.
- Fisioterapeuta, casada, um filho, um gato, mistura de siamês com qualquer coisa, meu carro, o ladrão levou antes de ontem, um apartamento herdado de meu pai, em reforma. Ensino na USP e espero chegar à Fortaleza para participar de um congresso... Se o granizo deixar (risos).
O gole de conhaque desceu denso, espalhando o calor aconchegante no estômago vazio. Falamos várias futilidades. A moça, da voz de orgasmo, avisou que todos os voos a até meia noite haviam sido cancelados e que, os passageiros se dirigissem aos balcões, para a remarcação.
Terminado o jantar fomos resolver nossa situação visto que nosso voo agora seria o mesmo. São Paulo – Belém com escalas.
- Senhor, estamos tentando colocação nos hotéis da redondeza. Seu voo sairá amanhã às 9h00.
- Algum problema se nos colocarem, eu e a Dra. Adriana, no Novotel do Morumbi?
- É por causa da distância, dois carros...
- Podemos ir num só.
- A senhora tem alguma objeção?
- Absolutamente não. Se por acaso houver outros passageiros podem ir conosco, e vamos esperar que o carro tenha condições de chegar debaixo desse aguaceiro.
- Suas bagagens já estão paletizadas. Fica muito difícil entregar-lhes...
- Eu só quero um local para dormir...
Chegamos ao hotel quando passava das 22h00. O trânsito estava terrível, mas serviu para eu acariciar aquela pessoa suave, aconchegada a mim.
Estávamos sós e o motorista ocupado demais com o trânsito para reparar o que fazíamos.
- Ué, doutor. O senhor não ia viajar hoje?
- Sim, mas o tempo fechou o aeroporto.
Depois de assinados os cartões, liguei para casa informando o ocorrido.
Apartamentos 503 e 504. Porta olhando para porta.
- Aceita um drink antes de dormir?
- Só se for um só. Já misturei bastante, vinho e conhaque não fazem bem para minhas pernas.
Quando o boy se afastou, sussurrei no ouvido de Adriana:
- Precisamos terminar o que começamos no taxi.
Ela riu e entrou no apartamento. Tirei toda a roupa, vesti o roupão do hotel, peguei as garrafinhas de dose de vodka e o suco de laranja que estavam no frigobar e fui para o apartamento 504.
Adriana abriu a porta. Estava ainda toda vestida, não havia conseguido ligar o aquecedor.
- Vim tomar banho com você.
- Mas quem lhe deu essa ousadia? (risos)
- Somos adultos perdidos na noite fria de São Paulo, que mal faz que façamos companhia um ao outro?
- Isso não é certo?
- Você ligou para sua casa?
- Não. Não tive vontade. A coisa lá não anda bem...
- Entendo. Vamos deixe ajudar a tirar esse casaco.
Adriana quis resistir, mas beijei-a com sofreguidão, acariciando o pescoço e as coxas.
O álcool ajudou a desinibição e em pouco tempo estávamos tomando banho quente e tomando vodka com suco de laranja.
Depois do banho a primeira relação, com direito a massagem feita por uma profissional e no apartamento aquecido dormimos nus abraçados debaixo do edredom.
Fomos despertados, era hora de voltar para o aeroporto. Antes, nos entregamos a uma relação selvagem, sedenta, estafante.
Nosso voo saiu pontualmente e quando estabilizou, reclinei minha cadeira, levantei o braço que dividia os assentos, fiz com que Adriana deitasse no meu colo e durante a viagem acariciei os cabelos negros e sedosos, o pescoço, os peitos, as coxas, tudo tão cheiroso, tão macio.
As luzes acenderam avisando que estávamos chegando ao Recife.
Trocamos o beijo de despedida, longo e ardente...
Da pista, olhei para a mão pequena que me acenava da janela pela última vez...