AO EMBALO DO RITMO LOUCO

O pai magro, alto, de gestos lentos apontando à esquina da rua no sossego da noite naquela cidadezinha do interior. Os passos fortes, aproximando-se.

- Papai vem ali.

Avisava ao irmão menor, mais novo. E entravam em casa. Então, os passos também chegavam.

- Já posso fechar a porta, Maria?

- Pode, os meninos já estão deitados.

Respondia a mãe, debruçada sobre a máquina, costurando.

O pai fechando a porta e cruzando-a com a trave de ferro, passava pelo corredor, e na sala onde se encontrava a mãe, dizia, com a voz mais grossa, contrariada:

- Ando sem achar canto com a situação da fábrica.

A mãe suspendia a costura e solidária:

- Tenha mais um pouco de paciência, homem! Tudo pode melhorar.

Ele fitava-a:

- Sei não...

Calavam-se, entregues às reflexões. O pai adentrava no quarto, e logo se ouvia as molas da cama gemendo ao peso do corpo irrequieto, nervoso. E, a voz da mãe, também deitada:

- Tenha fé, Antônio. Amanhã, será um outro dia. Deus não desampara ninguém.

Na cama ao lado, o irmão dormia, ressonando. No silêncio noturno, um cão ladrava distante. O frio incomodava. Enrolava-se e devagarinho, adormecia.

O pai caminhava com aquela jeito característico de entortar a cabeça de lado, e movia-se em passadas largas.

À janela, sua Mãe:

- O seu pai anda preocupado com os negócios.

Apesar de menino, ele sentia uma coisa... Sensibilizava-se com o rosto tristonho, o mutismo do pai. A mãe, em gesto bem seu, alisando-lhe a cabeça, ordenava:

- Vai brincar com seu irmão. Vai.

Atendia. E, na calçada, corriam na brincadeira do "pega", ou jogavam com as bolinhas de vidro.

Do interior da residência chegava à zoada ritmada da máquina costurando.

Na rua, poucos pedestres cruzavam-na. O céu era azul, de nuvens preguiçosas passando. O dia apresentava-se bonito, muito bonito.

- Está pensando em quê, senhor meu marido?

- No meu tempo de menino.

Ela sorri, zombeteira:

- É, a pessoa vai envelhecendo e fica saudosista...

Erguendo-se, ele reentrega-se ao cotidiano:

- A Cleide e o Cláudio já chegaram?

A mulher ausentando-se da sala:

- Você bem sabe que não. Hoje, querido, é sexta-feira: dia de se distrairem com a "patotinha".

- Sim, estava esquecido.

Agora, sozinho, reflete. Como tudo hoje em dia é diferente! Os filhos vivem soltos, educados nos próprios caminhos da vida moderna. E os coitados dos pais que se adaptem aos costumes modernos. Lasquem-se de contrariedade!

- É isso aí.

Resume-se. Sim, os tempos mudaram. E a vida continua...

- Tudo continua.

O pai morreu sobre uma cama, canceroso. Dolorosamente, findando-se aos poucos. Então, ante a viuvez, a mãe redobrou o trabalho e, às noites, costurando, ia dormir de madrugada... Por que a gente, de repente, retorna ao passado, para sofrer? Contudo, o que nos seria sem a dor, a vivência amarga da experiência?

- A dor nos ensina a viver.

Sentenciava a mãe. Verdade.

- Verdade, mãe.

O celular então toca.

Retirando-o do bolso da camisa, atende-o:

- Alô?

Ouve a voz conhecida, no convite aos instantes em companhia da jovem morena, charmosa... Aquiesce, em voz sussurrada:

- Certo. Estou indo.

O ponto de encontro de sempre, no restaurante do Gordo, em Beberibe. Imagina-a. Morena. Os cabelos negros, sedosos, longos. Os olhos grandes, irrequietos. A blusa decotada. As pernas esguias, presas às calças justas...

Desliga. A mulher retorna:

- Vai jantar, José?

Ele, ainda sorrindo com o convite ao amor:

- Não. Tenho que sair. Recebi um chamado de um cliente.

Ela, perplexa:

- Mas, José... Você não pode ir depois do jantar? Por que tanta pressa?

Encaminhando-se à porta, ele responde:

- Lamento, querida. É essa vida de vendedor... Mas, é o nosso "ganha-pão".

A porta é fechada por fora. E a mulher permanece presa à cena inesperada. Será realmente um cliente... ou uma "cliente?".

- Sirvo a ceia, D. Consuelo?

- Einh? Sim, pode servir, Mariana.

A cozinheira retrocede à cozinha e, a patroa com a dúvida no coração, mais uma vez deixa o ambiente.

Senta-se à mesa, aguardando Mariana trazer a refeição.

Na avenida, José no automóvel, segue ao bairro afastado, onde Marineide aguarda-o. Ligando o som, à semelhança de um adolescente, assovia, acompanhando o ritmo louco da música moderna.

Sim, ao compasso do ritmo louco da vida moderna.

Paulo Carneiro
Enviado por Paulo Carneiro em 12/10/2008
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