Cem anos de perdão
Cem anos de perdão.
Eu adoro comprar livros. Algumas pessoas não vêem muita necessidade, até mesmo quem gosta de ler, acha que pegá-los emprestados já é o suficiente, eu não! Acho que o comércio de livros é parecido com o dos filmes em VHS, quer dizer, produtos que são consumidos raramente mais de uma vez pela mesma pessoa, portanto não trazem muita diferença ao alugá-los, por isso, não costumo comprar filmes, mas livros, compro assim mesmo.
Pode parecer egoísmo ou mau costume, talvez alguém que não saiba o que fazer com o próprio dinheiro ou que não tenha muitas preocupações, mas para mim, faz tanto sentido quanto ler mais de um livro ao mesmo tempo.
Sempre acreditei que só existiam três coisas que valiam a pena serem compradas, LP´s, livros e amor, sendo que o ultimo nem sempre é possível, assim, acabo comprando montes de chocolates mesmo.
AH! Os livros, tão excitante ficar horas em uma livraria, sentado, lendo alguns o máximo possível, pensando se vale à pena levar um muito longo e caro, ou vários pequenos, curtos e baratos, mas de qualidade semelhante.
Os de bolso? Levo todos que posso, quão brilhante não foi essa invenção? Andar por ai sempre com um, sem preocupações, sem tédio em lugar algum.
Enfim, depois de muito pensar, optei por um de Literatura portuguesa, uma fraqueza. Com o livro em mãos fui para a faculdade, não faço nada relacionada à literatura, e às vezes me pergunto o porque! Mas imagino que fui talhado para fazer outras coisas, talvez por gostar de coisas demais, já que nem contos tenho o disparate de escrever.
A biblioteca da faculdade é muito específica, têm livros demais sobre os cursos da faculdade, o que é totalmente concebível, mas, intelectualmente deplorável. Como não a utilizo com o fim de entretenimento, apenas de consulta, isso não faz diferença para mim.
18:30...
Hum! Cheguei cedo à faculdade, acabei ficando menos tempo do que esperava na livraria, bom, melhor assim, agora posso aproveitar o inicio do meu livro antes da aula.
E agora, a melhor parte, remover a embalagem de plástico, como livro novo é bom, não? Tocá-lo pela primeira vez, sentir o cheiro da celulose o toque das páginas nunca vistas, enfim, um livro virgem. O segundo passo do ritual é mais discreto, no canto da última página escrevi minhas iniciais, pronto, agora era minha América.
Comecei a lê-lo, prefácios? Sempre pulo, que nojo, coisa monótona, pulo direto para o começo do livro e quando vejo já estou na página 13, sempre os leio de maneira compulsiva.
Na sua primeira manifestação o rumor também poderia ter saí...
— E ai, beleza? Já por aqui na facul?! Você não tem nada melhor para fazer da vida?
Olho por cima, com o ser rendido em minhas mãos...
Respondo calorosamente para o desgraçado...
— E ai, tudo certo sim! Ah! Apareci mais cedo, fazer o que?
— Nossa meu, ta preparado para a prova de hoje?
— Prova, cacete, me esqueci completamente.
Malditos livros, e o pior é que já não estou indo bem na disciplina.
— Eu to indo estudar na biblioteca, quer vir?
— “Vambora”;
E fui.
Fiquei um tempo na biblioteca, o livro a meu lado, me olhando, com aquela cara de cachorrinho pidão, mas o que eu poderia fazer? Apesar de distraído, eu era um cara responsável.
O horário da prova se anunciará e com a pressa de quem foge da forca, fui conformado apertar meu nó. Empurrei tudo o que pude para dentro da bolsa, e em meio à tempestade de gráficos e parábolas subi para a aula.
Não sei quanto tempo passou, não fui o primeiro a sair da sala de aula, mas também passei longe de ser o último, desci para o pátio, afinal, aquela era a aula do primeiro bloco, portanto, teria outra aula até dar o horário de me ver livre da faculdade e rumar para a casa.
Pode não parecer, mas sou meio anti-social, assim quando desci e vi as pessoas da minha sala, contornei por uma série de pilastras, apenas para conseguir sentar escondido em um banco afastado.
Pensei em voltar a ler, mas o sucesso inverso na prova me fez ter vontade de qualquer outra coisa. Então, fui comprar amor.
Assisti à segunda aula e finalmente me vi tomando o caminho de casa. Sentei no fundo do ônibus e quando abri minha mochila, com os dedos coçando, um frio me subiu pelo estomago e um suor gelado me desceu pela testa.
Cacete, esqueci meu livro na escola.
Não dava para acreditar, tinha acabado de comprar o livro, não chegara nem ao fim da décima terceira página, e eu me perguntava o porque? Porque?!!!!! Não consegui pensar em mais nada durante a jornada para a casa, muito menos na hora de deitar, imaginava o livro nas mãos de um afortunado, e pensava:
Talvez gostasse de ler? Talvez o vendesse? Jogasse no lixo?
Em meio a este mar de dúvidas, a única de que tinha certeza é de que nunca mais o veria. Exausto e deprimido, me distrai e pisquei, quando vi, já era manhã. Não comi, não sorri, fiquei em casa vegetando e pensando que minha vida deveria ser muito chata para que um livro causasse tanta destruição. Finalmente aprontei-me e fui para a aula.
Alguns meses depois...
Finalmente superara o ocorrido, ficara meses sem entrar na biblioteca da faculdade, não conseguia, lembrar de quando ele me deixou doía demais, mas passou.
Tomei coragem em uma quinta-feira e entrei, era o começo do semestre e resolvi olhar os livros sobre as matérias novas, enquanto rondava pela biblioteca percebi uma estante pequena, no fundo com menos de 10 livros, resolvi checá-los. Alguns títulos interessantes, mas o que me chamou atenção foi a plaquinha da prateleira:
DOAÇÕES.
Continuei olhando os livros, já que eram poucos e não atrapalhariam minha busca intelectual nerd. Consultei os volumes rapidamente quando no penúltimo levei um susto.
E aposto que você imagina o que era!
Achei o título que me fora extraviado meses atrás. Fiquei feliz por saber que se ainda estivesse com ânimo de lê-lo, independente do ocorrido, poderia, mesmo contra todas as minhas crenças, pegá-lo emprestado.
Só pela nostalgia, resolvi olhar no fim do livro no espaço onde estariam minhas iniciais, mas tinha um problema, FILHA DA PUTA, (pensei), elas estavam lá!