O ASSASINATO
— Alô ta me escutando, alô, alô...
Um passageiro desconhecido gritava ao telefone celular Era um sujeito alto, forte, barba por fazer e mal encarado. Naquele percurso sempre existia o risco de assalto e ficaram de sobreaviso. Todo dia viajavam batendo papo ou brincando um com outro. A intimidade entre eles era tanta que se tratavam pelo nome. E o grandalhão:
— Alô, alô, sou eu diga. Não posso falar direito estou chegando daqui a pouco, mas fez ou não fez o que mandei?... Lá fora e não esquece pendura ele pelos pés... Usa uma marreta “se liga”. Não quero grito.
Atônito e boquiabertos com aquele monologo dantesco, os passageiros sentiram que tinham que fazer alguma coisa, mas só de olhar para aquele ser abjeto ninguém se manifestava. E a conversa fluía.
— Vê se não erra! Não quero porcaria... Uma só, seca, e bem dada. É o suficiente... Bem na testa.
Lagrimas já ameaçavam rolar. Mãos se apertavam. Movimentos inquietos se faziam presentes por todos os assentos. Ninguém podia suportar o que estava obrigado a ouvir, já que o monstro gritava ao celular. A única pessoa que podia socorrê-los em caso de emergência dormia o sono dos justos recostado à janela. Dormia tanto e tão bem que despertava inveja de quem não gostaria de estar ali ouvindo aquilo. E o sujeito continuava com a sua sordidez ao telefone.
— Mas antes de bater vai lá no galpão e pega a minha peixeira.
Tinham que parar aquela sandice! E bem perto estava à solução, só que dormindo, mas quem o chamaria sem levantar suspeita? Havia no ar o medo provocado por aquelas palavras. Até que vagarosamente o passageiro ao lado do dorminhoco o cutucou sorrateiramente. E quando abriu os olhos notou que lhe faziam sinais e passou a observar o gigante que tinha um volume por baixo de sua camisa, na altura de sua cintura. Foi o suficiente para que ficasse alerta e observasse o nervosismo nos passageiros. E o grandalhão não percebendo nada continuou a falar.
— Amola bem amolada e pegue também um balde pra não sujar o chão. Não quero sujeira.
O policial temendo pela segurança dos passageiros, solicita ajuda pelo celular para abordá-lo fora do ônibus. E o celular daquele facínora toca novamente.
— Alô fala alto porque a ligação esta muito ruim. Reúne todo mundo e vamos comemorar. Acabei de mandar terminar o serviço... Se não fizeram besteira, hoje à noite nos encontramos pra acertar os detalhes que faltam. Só deu trabalho pra pegá-lo... Mas não tem furo. Fique tranqüilo. Eu to lhe dizendo. Já era. Até mais!
As pessoas não entendiam tanta frieza. Como era possível aquilo? O policial vendo a inquietação, faz sinal para que não o alertassem. Inacreditavelmente o celular toca novamente.
— Alô, fala alto. Não To entendendo nada... O sangue?... Joga no vaso e de descarga e vai limpando tudo porque estou chegando à parada.
O policial vendo o meliante dar o sinal para descer, pede licença e se posiciona bem atrás dele fazendo sinal para viatura que já estava seguindo o ônibus para a abordagem. No abrir da porta ele o empurra de maneira que ele caísse e imediatamente se coloca encima dele firmando-o com seu joelho. Os que vieram na viatura o cercam com suas armas em punho gritando “a casa caiu” fica quieto e mãos na cabeça. Os passageiros ovacionavam, aplaudiam e gritavam elogios para os policiais.
Em poucos minutos se formou um tumulto de pessoas nervosas se empurrando e partindo para as agressões. Uns queriam linchá-lo outros o defendiam, mas queriam punição mesmo não sabendo qual era o crime. A policia ao perceber que estava perdendo controle pediu reforço que ao chegar começou a dispersar a multidão ensandecida a golpes de cassetetes. O que os irou mais ainda. E começaram a gritar palavras de ordem contra o governo e mais policiais chegaram a cavalo lançando bombas de gás lacrimogêneo. E mesmo assim partiam para o quebra-quebra das lojas, carros e ônibus e no espaço de pouco tempo uma verdadeira praça de guerra se formou. O que não era quebrado foi incendiado e nem o caminhão do corpo de bombeiro foi poupado.
Equipes de reportagem tentavam documentar e entender alguma coisa e foram imediatamente ao capitão para lhe perguntar.
— O Senhor tem tudo sob controle?
— E claro que sim! Isso aqui é rotina. Tenho homens treinados pra enfrentar esse tipo de situação sem perdas ou danos.
— Estão dizendo que foi um policial da sua corporação que estava agredindo um senhor de idade. O senhor confirma isso?
— Essa informação não procede. É um engano.
— Tudo indica que esta havendo abuso de autoridade. O que o Senhor pretende fazer com isso?
— A autoridade tem que ser exercida a qualquer custo, pois são uns arruaceiros. Não demora, as coisas voltam ao normal. Me da licença que tenho uma situação pra resolver. Disse o capitão saindo entre seus soldados.
Enquanto isso o meliante estava protegido por todos os policiais disponíveis que observavam o tumulto. Uns gritavam contra o governo, outros gritavam é greve tinha ate mesmo grupos de sem teto, sem falar, nos desempregados, carecas, punks e dos movimento gay que ao se encontrarem a porrada comeu solta. Não dava mais pra entender mais nada. E de repente foi um corre-corre para cima das lojas para fazer saques. Levavam de tudo que podiam. E foi nessa hora que chegou o pelotão da tropa de choque fazendo aquela formação clássica, se protegendo com seus escudos, e batendo neles com os cassetetes para intimidar e tentar dispersar a multidão, que descontrolada jogava pedras nos policiais e esses revidavam com tiros de borracha. Pedras, gritos, sangue, tiros e prisões.
Levaram-se horas para conter o tumulto e só assim a policia pôde se importar com o meliante, que na ânsia de protegê-lo, o colocaram embaixo do ônibus algemado no cano de descarga para evitar a sua fuga. Com a sujeira ele mais parecia um pano de chão, nada mais merecido, mas mesmo assim quando posto em pé pra ser interrogado apareceu uma pessoa apavorada gritando...
— O senhor esta bem? O que lhe aconteceu?
O policial pergunta de onde o conhece.
— Da minha igreja. Ele trabalha no asilo. E o responsável pela recreação da turma da terceira idade.
E na mesma hora o policial se apercebe que no tumulto não o revistou, e quando o fez encontrou uma bíblia de bolso presa a seu cinto. E um dos passageiros o acusa.
— Você mandou pendurar e matar a golpes de marreta uma pessoa e ainda mandou sangrá-la!
E ele com voz tremula e quase chorando.
— Por Deus! Eu nunca machucaria alguém.
— Qual e o seu nome?
— Pedro.
— E você falava sobre o que ao celular perguntou o policial?
— Era um leitão que nos vamos fazer à pururuca.
— O que! Tudo isso por causa de um porco?
— Sim senhor para comemorar o aniversariante do mês foi um mal entendido podiam ter me perguntado era mais fácil. E apartir de agora sou vegetariano nunca mais serei acusado de crime algum.
— Por hoje chega! Vamos embora os garis cuidam do resto, que bagunça! Bradou o comandante.