As surpresas que uma noite de tédio pode nos dar.

Nada naquela boate me chamava mais atenção. Eu já estava tão acostumado com os mesmos rostos, as mesmas vozes; cidade pequena já sabe, não é? Única boate que funcionava. Se não fosse por aquela batida eletrônica tão excitante que só tinha ali, nem haveriam motivos reais para desperdiçar minhas madrugas de sábado lá. Ainda sim, estava cansando da mesmice da noite cluber da cidade, até porque, o legal é unir a música aos beijos e assim chegar a um estado efetivamente eletrônico, mas não dava mais. Quase todas as bocas já conheciam a performance da minha, e repetir... Repetir não era o que estava, de fato, no meu script. A noite tinha de trazer surpresas, tinhas de trazer emoções (se possível fortes), e como ela já não cumpria mais esse papel, eu decidi ficar umas noites em casa, assistindo a bons filmes. Só voltaria lá quando anunciassem algum show ou algo que fizesse realmente valer a pena sair de casa.

Algumas semanas depois foi anunciado o show de uma cantora de música eletrônica fabulosa na boate. Taí, já que eu tinha prometido que iria no próximo “quebra rotina”, mesmo sem vontade – e pressionado por meus amigos -, fui. A madrugada começou como todas as outras que eu já estava acostumado a participar e algumas vezes até a protagonizar. Muita gente dançando naqueles passos desajustados envolvidos pela magia da batida perfeita, outras sentadas, bebendo e observando, prontas para caçar suas vítimas e o sexo do dia, outras já preconizando o sexo com preliminares quentes, encostados nas paredes, vistos apenas ns oscilações da luz branca que domina o ambiente, e outros, ou melhor, e o outro era eu, entediado com aquela situação monótona e completamente passada. Enquanto meus amigos dançavam que nem loucos (é, eles se encaixam na primeira descrição das pessoas que eu dei), eu fui sentar em um dos poofs, bebendo uma cervejinha, com meu marlboro sempre entre os dedos, não para procurar uma presa, apenas para esperar o show e ir pra casa assistir Marilyn Monroe. As horas não estavam muito bem humoradas, sabe? E teimavam em me irritar naquela lentidão absurda. É, eu sei também que o mau humor delas era só comigo, uma vez que todo mundo estava curtindo horrores a noite.

Bom, começou o show, afinal, e eu até me animei um pouquinho. Ainda sentado, meu pés e ombros começaram a acompanhar o ritmo frenético da primeira música da Diva atuante no momento. Muito empolgada com a recepção calorosa da platéia, a estrela passeava por toda a boate, cantando e dançando com todos, e acompanhando-a com os olhos, avistei aquele ser. Meu Deus! Quem era aquela garota? Era nova ali? Eu nunca tinha visto antes, e eu tinha todos os rostos guardados nos arquivos que preenchiam as milhões de gavetas do meu cérebro. Ela era nova aqui! E linda... Muito linda, por sinal. Deveria ser muito fã da cantora porque seus olhos não paravam de brilhar um instante sequer, e era um brilho tão intenso, tão vivo que, para mim, era mais forte que a luz branca oscilante da boate. E aquele sorriso? Por todos os santos! Que sorriso branco e perfeito era aquele? Era uma pena que o sorriso fosse para a apresentação da suposta ídolo e não para mim. Eu precisava saber quem era aquela garota! Aqueles cabelos lisos até o ombro, pele branca, olhos expressivos, com aquela boca maravilhosa que parecia convidar a minha incessantemente e com um detalhe realmente muito pertinente! Ela tinha uma argolinha no lábio inferior dando toda uma graça a mais naquela boca escarlate deliciosa. É, eu devo explicar que sempre tive uma queda por piercings. Vai ver que é por isso que eu tenho dezesseis espalhados por meu corpo. Mas, voltando à princesa da noite... Eu precisava tê-la comigo ao menos um momento, então, finalmente levantei do poof e fui dançar perto dela, mas ela estava tão vislumbrada com a peste da cantora que não me dava espaço para ganhar sua atenção, que nem me percebeu. Eu fiquei praticamente todo o resto da noite ao seu lado, mas nada. Não tinha coragem de chegar nela, na verdade, o que eu iria dizer se chegasse nela? As palavras brincavam comigo em minha mente e eu ficava com medo de estragar tudo, por isso, deixei que ela continuasse a aproveitar sua noite até perdê-la de vista. Eu a perdi de vista! Na hora que fui pegar meus cigarros no bolso ela sumiu! Juro que não me perdôo por isso.

Passei o resto de meu tempo a procurando feito um louco, mas ela havia simplesmente desaparecido, infelizmente. Desde então todos os dias penso naquela figura majestosa. Ela sempre me vista em meus sonhos, mas, mesmo me fazendo presente todas as noites que a boate abre, seja sábado ou não, não a vejo mais e o pior, ninguém parece conhecê-la; é como se ela não existisse, fosse apenas fruto da minha imaginação, um escapismo do tédio. Já faz dois meses e eu não sei mais o que fazer, então, resolvi contar minha história aqui. Se alguém achar que conhece essa garota que, além de minha obsessão, se tornou minha fantasia – não somente sexual -, por favor, me ajude!

Desde já fico imensamente grato pela ajuda. Acho que eu preciso daquela boca para conseguir... Para conseguir... Enfim, eu preciso.

Obrigado.