A vida na vila - II
O dia seguinte amanheceu chuvoso. Pedro acordou cedo e foi tomar café. Na pequena cozinha da casa, a mãe já estava com quase tudo preparado. Pão, queijo, leite e o preferido de Pedro, o bolo de fubá. Depois de comer, ia direto para rua. Rondava a vizinhança em busca de alguém que quisesse se comunicar com alguém. Mas dias chuvosos pediam um pouco mais da preguiça do pequeno. Ele permaneceu um tempo na porta da cozinha, de onde podia ver a rua e, ao longe, o cais, com os muitos mastros enfileirados indicando que todos compartilhavam da mesma melancolia. Foi quando escutou o ranger de uma bicicleta se aproximando. Som bem conhecido, já que o principal meio de transporte da vila era este pequeno veículo magro, que se debatia contra as pedras desiguais das vielas, e emitia um ruído característico por onde passava. Era Joana, filha de Dona Val. Menina inquieta que gostava de participar das aventuras de Pedro. Vinha tão contente que quase caiu quando avistou o menino. Protegida por um casaquinho verde, cabelos longos e molhados de chuva. Um sorriso disfarçado com dentes perfeitamente alinhados. Gritou ainda distante:
- Pedro vem ver! Seu Zezinho vai partir para a cidade!
Seu Zezinho era o dono da mercearia. Possuía uma caminhoneta, tão antiga que tinha até apelido, era a Matraca. O barulho do motor a diesel podia ser percebido ao longe, quando ainda vinha pela estrada. Mas era o único meio de enfrentar uma viagem pela serra até a cidade. Quando seu Zé se aprontava para ir, os habitantes sempre pediam favores, enviavam cartas ou encomendavam roupas e chapéus de última moda.
Chegando perto da praça, onde ficava a igreja e o correio da vila, Pedro e Joana avistaram Seu Zé, ou Zezinho, como as crianças o chamavam. Foram correndo, ele à pé e ela de bicicleta. A Matraca estava parada à beira da calçada, na carroceria haviam algumas caixas e baús. Em volta, alguns conhecidos tinham a última conversa com Seu Zé antes da partida. Com seus óculos na ponta do nariz, o senhor procurava atender a todos com a mesma dedicação. Tinha um coração grande, sempre disposto a ajudar. Neste momento percebeu a aproximação dos dois. Parou a prosa e foi ter com eles:
- Olá crianças! Estou partindo, digam o que querem da cidade... - como um Papai Noel, anotava os presentes que tinha que trazer. Sem esquecer de ninguém. E foi assim que Pedro pediu seu primeiro livro. Sem intenção. Não sabia até então que Seu Zé não só traria o presente errado, mas um presente que iria mudar a vida daquele sapeca para sempre.
E foi a Matraca pela estrada. No início, a terra batida e as fazendas compunham o caminho. Mas logo começava a subir. Por vezes com dificuldade, o transporte de Seu Zé rangia as ferragens e demonstrando sua força de vontade, ultrapassava os obstáculos e enfrentava as intempéries da viagem.
E os dias iam passando na vila. Pedro, ansioso pela chegada do seu pedido, ajudava os pescadores no cais, levava suas mensagens, remava a pequena canoa de seu pai pelo rio e se distraía em pequenas bravuras pela praia e pelo mato. Quando se deitava, olhava pela janela para as estrelas, escutava o mar e tinha o pensamento longe... Imaginava quanta coisa poderia haver além daquelas águas...
Continua...