Praticando a antiga arte

Luiz estava sentado frente ao computador; a tela em branco do editor de texto; o cursor piscando ininterruptamente. Ele permanecia lá parado imaginando o que poderia ser escrito para que aquela tela, que representava em outros tempos nada mais do que uma folha pudesse ostentar algo diferente, uma história, um relato, mas não um relato comum; algo que se desenrolasse com verossimilhança diante de todos os que colocassem os olhos sobre a tela em cuja história seria exposta, porém ainda não havia nada digitado na tela, ela permanecia em branco e somente aquele pequeno traço vertical surgia e sumia repetidamente.

Por muitas vezes ele costumava se pegar em verdadeiros combates mentais para decidir que tipo de coisa escreveria, não era um processo doloroso e sim prazeroso, sua mente sempre repleta de personagens, alguns mitológicos, outros míticos, alguns como pessoas do cotidiano, outros como seres extraordinários. Muitas destas personagens já totalmente prontas em suas próprias vidas, nascidas ou não na mente dele, personagens que pediam por uma estória só sua, algumas pediam apenas para fazer parte em qualquer narrativa, para depois não querer mais sair.

Ora, quantas e quantas vezes Luiz quis dar uma determinada direção para as personagens em seus relatos, mas elas não aceitaram, preferindo se impor de uma outra forma e mudar o curso do que dantes havia sido planejado. E quantas vezes entrou de cabeça em escrever algo apenas com um arcabouço mental do que se desenrolaria e acabou guiado pela vivacidade que aqueles seres, nascidos em sua imaginação ou reaproveitados da imaginação de outros, emanavam em cada letra que ia sendo disposta de forma ordenada, quando cada palavra era tecida, literalmente, se construindo uma vida ou muitas vidas espetaculares em suas maravilhas ou maravilhosas em suas simplicidades.

Ali sentado em frente aquele computador com tela em branco Luiz percebeu que fazia parte de algo muito grande, teve certeza de que a capacidade de tecer vidas ainda que num âmbito mental, transferi-las para o universo literário e dar sentido, direção a elas nas linhas de uma narração escrita fosse nas folhas de um velho caderno que restou da faculdade ou na tela de um editor de texto, não era uma coisa comum, muito embora essa seja uma capacidade que muitas pessoas possuem, poucas são as que aproveitam, por vezes essa capacidade é menosprezada, reprimida e até abandonada.

“Felizes os que percebem a importância desse dom e trabalham para lapidá-lo”_ pensou com um leve sorriso na face.

Escrever, por si só já representa um grande prazer, mas para Luiz, além daquilo existia mais, para dar vazão à torrente infinita de idéias que brotavam constantemente de seu cérebro, ele teve que começar a conhecer, enveredar e a estudar uma arte poderosíssima e tão antiga quanto forte. Uma arte que nasceu antes dos impérios, antes da magia, antes das palavras escritas; uma arte intensa, precisa, erudita e que por vezes causa um efeito singular naqueles que a vêem depois de executada com maestria, o que verdadeiramente não é tão fácil assim.

Homens como Ernst Theodor Amadeus Wilhenm Hoffmann, Vladimir Propp e Anton Pavlovitch Tchékhov se destacaram no domínio e no entendimento desta arte. Hoffmann e Tchékhov foram até mesmo chamado de mestres por pessoas do mundo inteiro. E o que dizer de um outro grande adepto da antiga arte, brasileiro, Carioca e chamado Joaquim Maria; ficou muito conhecido como o bruxo do Cosme Velho e é intimamente conhecido no Brasil e na Europa por Machado de Assis. Sim, faltariam linhas e tempo para falar dos grandes manipuladores dessa arte tão pura, nomes como Moisés, Conan Doyle, Clarice e Elisa Lispector e tantos outros.

Bem; Luiz estava agora enveredando por uma senda abençoada que tantos expoentes já trilharam e tantos ainda hoje estavam se dedicando a trilhar, homens e mulheres de todas as idades num esforço continuo de dominar uma das mais antigas artes existentes sobre a face da terra. Como sempre; é sabido de todos que também essas veredas necessitam de estudo e dedicação, aqueles ícones que conseguiram domar a arte, só o conseguiram a custas de muita dedicação, estudo e concentração.

Essa arte superior à magia, superior as religiões, visto que nasceu muito antes, e que começou sendo transmitida de uma forma oral antes mesmo da invenção da escrita pelos povos de civilizações antigas e que mais tarde ganhou o formato que conhecemos ainda hoje, o modelo escrito, muito embora cada um dos grandes manipuladores a tenha, de uma forma ou de outra, influenciado e contribuído de algum modo peculiar deixando um legado cada vez mais rico para as futuras gerações. A arte que atravessou anos, décadas, séculos, milênios, bilênios e chegou até os dias atuais com a mesma pureza, como se tivesse acabado de sair da forja celestial, para que pessoas como Luiz, simples iniciantes possam resolver os problemas com relação as grandes tormentas que se formam em suas mentes praticamente exigindo um meio de se materializar e o meio de haver essa materialização é, ao menos para Luiz, através de uma folha de papel ou uma tela de computador em branco. E a antiga arte em questão é o conto.

Luiz naquele momento discerniu que o Conto é uma maneira, talvez a única maneira, de trazer à vida tudo que apenas existia em seus pensamentos, situações, personagens, circunstâncias; de uma forma veloz e forte e, no entanto, não menos atrativa do que os outros estilos de escrita.

Por fim ele pôs os dedos no teclado e começou a deixar fluir as idéias e gradativamente transportá-las do pensamento, de dentro de sua alma; para a tela, para dentro do mundo da matéria. Sentiu-se extremamente feliz porque estava praticando a abençoada e antiga arte.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 02/10/2008
Reeditado em 02/10/2008
Código do texto: T1207720
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