A MARCHA PROSSEGUE
As pranchetas e os birôs vazios. Assim, a seção apresenta-se maior e mais triste. Tem que também sair. É o último dos funcionários ainda na sala. Instantes atrás, dissera ao encarregado:
- Pode ir, Edinho, que eu fecho a porta e deixo a chave na portaria.
Aí o chefe surpreso fitando-o:
- Mas, por que você não vai agora?
Mentindo, desculpou-se:
- Estou arrumando minhas coisas.
Então Edinho retornando a caminhar em sentido da porta:
- Você é quem sabe.
A porta bateu, e ele se viu sozinho. Por que não saíra, tivera de mentir, permanecer no trabalho?
- Para me despedir.
Dissera baixinho, gracejando. Agora, sente que essa é a última vez em que presencia o ambiente de trabalho. A indústria fechará. Ou será pessimismo, exagero seu? Como prever o futuro?
- Vocês têm 30 dias de descanso, de férias coletivas.
Avisara-lhes o encarregado. Perplexas, as cinco moças nos birôs, pararam de confeccionar os clichês e, nas pranchetas, os três desenhistas - incluindo ele - também suspenderam o que fazia e, durante segundos o silêncio dominou o local. Ouvindo-se apenas o som do ar-condicionado trabalhando. Contudo, de repente, se ouviu a voz de Joanita:
- Edinho, a gente volta a trabalhar, quando as férias terminarem?
O encarregado então a fitando:
- Creio que sim.
Joanita ainda:
- Com franqueza, você acha mesmo que a gente não está na "rua da amargura?".
Aos sussurros, os colegas trocaram opiniões e, Edinho:
- Joanita, pra lhe ser franco, há a possibilidade de a fábrica fechar.
Chocada ante a brusca realidade, ela nada mais falou, voltando-se às próprias reflexões. Devagar, desanimados, eles continuaram trabalhando. Os minutos sucederam-se lentos, angustiantes, e agora, após os colegas deixarem a sala, ele se despede - de propósito sozinho - do ambiente que o acolheu durante quase seis anos.
- Seis anos.
Diz, repetindo-se, com o coração pesado. Abre a gaveta da prancheta, e guarda a lapiseira, o compasso, os esquadros, a régua, e o desenho não concluído. A seguir, fechando a gaveta, guarda a chave no bolso da camisa. Ergue-se e desliga o ar-condicionado. Retira-se da sala. Fora, no corredor, fecha a porta, e põe a chave junto à outra. Afasta-se. Cruza a seção de modelagem, onde o negro Chaves risca o formato de uma caixa. Vendo-o, o colega ergue a mão, cumprimentando-o.
Responde com saudação idêntica e descendo os degraus de madeira, encontra-se no salão com máquinas sem funcionar, e poucos operários no serviço de limpeza. Aqui é o salão "ondulado", o da produção de caixas, o chamado "coração da fábrica". E sem funcionar...
- É a crise.
Apressa-se. Há dias que se falava nas prováveis férias, contudo, poucos acreditavam nisso, julgavam se tratar de mais um boato entre os funcionários. Tanto assim que Edinho dissera:
- É conversa. Fofoca da turma, que adora espalhar notícias ruins.
Entretanto, o que se dizia, converteu-se em dura realidade. Depois?
- Só Deus sabe...
Ao deixar o salão, vê a montanha de bagaço de cana (matéria principal na confecção do papel), o trator amarelo, próximo, e um vigilante conversando com outro. E o resto é deserto. Segue em sentido da portaria. E agora? Indaga-se novamente. A mulher grávida, a despesa com a manutenção da casa... Ele com 43 anos, velho para competir no mercado, desatualizado em sua profissão... Mas, é necessário ser otimista: talvez após as férias, a fábrica retorne a funcionar, e não se desempregue. Tudo se normalize.
- É, vamos esperar.
Batendo o cartão, e entregando-o com a chave, despede-se:
- Até, Rodrigues.
- Vai com Deus, colega.
Cabisbaixo, ganha a rua, já sob o domínio da noite. Uma noite igual a quantas vividas? Sim, em tudo, há uma ordem de prosseguimento. Haja o que houver, a marcha não pára, continua através do tempo.
- Continua.
Desce a rua.
Como transmitir a notícia à mulher, e também lhe dizer de sua preocupação com o futuro? Ela tornar-se-á nervosa, angustiada. E grávida... Contudo, tem que lhe dizer, pois, como se justificará de repente em casa, sem trabalhar? Sim, com jeito, sem lhe demonstrar o receio no amanhã, lhe revelará. Pensativo, sobe devagar, a rua.
Debruçada no murinho, ela espera-o. Tão confiante, inocente... Com o coração apequenando-se, prossegue subindo a rua estreita.
Entregue à rotina de sempre, ela sorri, enxergando-o. Ele avizinha-se.
- Demorou. Já estava preocupada. Tudo bem, no trabalho?
- Tudo. Tudo bem.
Ele então foge o rosto de lado, para que ela não lhe veja os olhos nublados pelo que lhe domina a alma.
Empurra o portãozinho. Passa. Solidária, a companheira segue-lhe os passos cansados pela aflição. Viva aflição.
* * *