VISITA AO PASSADO

Rua Maria estevão. Estaciona o automóvel. Salta. Adentra no bar-restaurante. Praticamente vazio, apenas com a morena bebendo devagarzinho na mesa recuada à entrada do estabelecimemnto.

Ele se senta à mesa próxima do balcão.

O garçom gordo, baixo, amulatado se avizinha:

- Às ordens.

O recém-chegado então fitando o rosto grosseiro, de cabelos rentes ao cránio oval:

- Um uísque, do melhor que você tiver.

- Tudo bem. O senhor também quer um salgadinho?

- Que temos aí?

- Peixe-frito, peixe-ao-coco, camarão ao vinagre, com verdura...

- Me traga o camarão.

- Pois não.

Afasta-se lento em sentido do balcão, onde o senhor magro, pálido, está debruçado e faz o pedido.

Sem comentário, o velho se volta à abertura na parede, em formato de janelinha e fala a alguém, provavelmente, a cozinheira.

O recém-chegado espera. E estende a atençaõ à residência defronte, na esquina. Branca. Terraço ao lado, gradeado. Com a janela também gradeada, frontal. O muro com o portãozinho ao centro... Como se fosse a mesma daquela época. Inacreditável como a casa continua assim ante as metamorfoses que ocorrem às coisas, na seqüência natural de tudo!

- Um milagre.

Dá voz à reflexão conclusiva. Sim, verdadeiro milagre que o faz se rever passando, com o olhar discreto procurando a figura esguia, alva, cabeleira negra, na cadeira, penteando os cabelos do filho pequeno, lembrando-a.

O coração batendo numa sensação boa, o desejo de uma aproximação. Que atração àquela mulher nova lhe exercia! Depois, começou a analisar melhor a casa, conservando o discreto afastamento. A criança chutando a bola de encontro à parede no terraço. A cadeira vazia, na qual a mãe se sentava, afagando-lhe a cabeça. O quadro de uma paisagem campestre, de bom gosto à parede lateral. A porta vazia que conduzia ao interior da residência. Passava com vagar, como sempre. Seria a jovem casada, desquitada, ou... Um dia saberia.

- A bebida com o salgadinho.

- Certo. Obrigado.

O garçom outra vez se retira.

A morena à mesa observa-o? o sujeito atrás do balcão, limpa-o, com a flanela amarela em gesto preguiçoso. A fisionomia tristonha. Provavelmente está preocupado com o pouco movimento do estabelecimento.

A noite fora vai nascendo. O seu carro ao meio-fio, reflete no forro, a iluminação vinda do poste ao lado, na lateral da casa branca, que lhe parece, estar fechada, desocupada. Que fim terá levado a criatura atraente, que lhe inspirava sedução, amor? Como saber? Tudo nos é tão transitório! Parece-lhe tudo nunca ter existido. Teria sido um sonho? Não, ele vivera aquele tempo, de instantes de sonho ao ver a jovem ali no terraço, que agora se encontra vazio: na cadeira, com o filho ou conversando com outra mulher. O riso no rosto afilado, bonito, os gestos elegantes de mover as mãos, os braços longos...

Bebe. E acena ao garçom.

- Diga senhor.

- Aquela casa ali está desocupada?

O gordo então se voltando à residência:

- Está. Faz é tempo. Mas, o Seu Enésio é quem sabe informar melhor. Sou novato aqui.

- Sei.

- O senhor quer que eu pergunte a ele?

- Não. Pode deixar.

Sozinho, reflete. Melhor continuar na ignorância dos fatos. A gente chega ao ponto de se adaptar à realidade: o que passou, passou... Portanto, é seguir em frente. O mundo é assim mesmo. Contudo, o que seriamos sem o passado, as recordações? Que sentido há na vida? Mas... A morena está lhe sorrindo? Analisa-a melhor, é esguia, nova, engraçada... Retribui ao sorriso e, lhe acena com a cabeça, na promessa de uma aproximação. Ela cresce o sorriso e aguarda.

Erguendo-se, ele encaminha-se à mesa. Resoluto. Prático. Já o sujeito atirado. Integrado ao presente.

A noite então abraça a rua, a casa branca e o terraço, que assim sem o que presenciou e acolheu, se assemelha a um cemitério.

- Posso me sentar?

- À vontade.

Empurrando a cadeira para trás, ele se senta, enquanto os olhos grandes, negros fitam-no, esperando.

Sim, esperando.

Dentro de sua descrição profissional, o garçom segue a cena e, para o velho, no balcão:

- A Vanda "pegou" outro freguês.

- Deixa pra lá, Zezinho. Cuida da tua vida. Vai lá saber o que eles querem. Vamos trabalhar!

Sorrindo, o gordo repete:

- Vamos trabalhar.

Então se encaminha a mesa, cumprindo a ordem. Trabalhando.

* * *

Paulo Carneiro

Paulo Carneiro
Enviado por Paulo Carneiro em 29/09/2008
Código do texto: T1202698