Chegarei tarde em casa hoje

Uma manhã, uma vontade enorme de não sair da cama, mas o dever me chama....Que dificuldade para me lavar com aquela água gelada.

Um café tomado às pressas, a roupa foi a que estava à frente...amarrotada, mas foi com ela que sai correndo para defender o "pão de cada dia".

O ônibus, de tão lotado, me deixava a impressão de que se eu tirasse o pé do chão, passaria o resto dos meus dias pendurado em um travessão que cruzava o teto do coletivo.

A duas ou três quadras do ponto em que desceria, resolvi cruzar a catraca, como se fosse possível chegar lá na frente. Todos com os braços levantados me lembravam: como o mundo anda porco, o mau cheiro indicava 19 horas, depois de um dia de labuta, mas eram apenas 7 horas da manhã, com certeza deve existir câmaras de gás, onde a morte é mais cristã.

Ao chegar à catraca, levo a mão ao bolso para pegar o dinheiro...nada, estava sem nada para pagar a viagem, aliás eu estava sem nada para pagar qualquer coisa que eu tivesse para pagar....ou seja: não tinha nada.

Olhei para o cobrador, envergonhado como se tivesse sido surpreendido retirando dinheiro da sacola de coleta na missa, ao contrário de depositar algum valor. Eu confio em Deus, esperei, com muita fé, a compreensão daquele que cobra a todos, mas não, ele foi cruel, seu grito me lembrou Agnaldo Rayol cantando Ave Maria, em uma capela de pequenas dimensões, todos ouviram, aqueles que estavam dentro do ônibus, bem como aqueles que passavam pela rua:-"Oh motorista! o cidadão honesto aqui vai pular a catraca, e a desculpa é a de sempre...

A velhinha, que eu via à distancia, à frente no coletivo, acompanhada da netinha, disse à criança:"Cuidado, não deixe que este cafajeste rele em você", aquela senhora, que até então, eu via como uma santa.

Não sei explicar, mas desci daquele coletivo com a gola da camisa levantada, é certo, queria me esconder do mundo. Todos que continuaram a viagem olhavam para fora, conferindo onde eu iria praticar o próximo delito, era assim que eu me sentia.

Quando cheguei ao local do trabalho fui informado de que o vigilante noturno havia morrido aquela noite, não haveria expediente...

Voltei a pé para casa, aquele dia, podia contar, iria chegar mais tarde ao meu lar, o trajeto é longo, muito longo...e sereias cantam ao longo do caminho

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 24/09/2008
Reeditado em 18/04/2009
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