ARREPENDIMENTO

A forquilha de galho de goiabeira ficou igual a um cálice depois de ser trabalhada com fogo.

Cortei a câmara de ar de bicicleta achada no lixo da oficina.

As tiras e as ligas foram cortadas com esmero.

A tesoura grande que mamãe usava para costurar, só faltava falar, pois tinha boca e dentes de tanto cortar arame, lata, borracha, couro ou qualquer outro material necessário para a confecção dos brinquedos que as crianças de hoje, geração vídeo game, desconhecem.

Com os bodoques e as “bateu-cagou” prontos fomos testar a pontaria e a potência do arremesso das nossas armas novas.

Um dos lados tinha ficado maior e eu tive que refazer a amarração para corrigir o defeito que desviava o tiro do alvo...

Tudo certo.

Marcamos a caçada para o dia seguinte.

Logo cedo estávamos no terreno vazio ao lado da casa do Coronel Ioiô (onde tempos depois foi montada a Festa das Rosas) e saímos procurando as feras que seriam abatidas.

A manhã ainda estava fria naquela altura do ano e as lagartixas, por mecanismo biológico de defesa, somente ficaram ativas quando o sol já estava alto e o dia quente.

Localizei a presa e “pé ante pé”, contornei o tronco grosso da Jaqueira velha, de forma que minha sombra não assustasse a lagartixa.

Atirei.

Tiro certeiro pegou na cintura escapular e deve ter seccionado a coluna com medula e tudo.

A lagartixa caída fazia esforço para subir na jaqueira, mas as pernas não obedeciam e ela fazendo movimentos como se nadasse, arrastava o corpo inerte...

Dei-lhe o golpe de misericórdia na cabeça, mas as contrações musculares ainda permaneceram por algum tempo mais do que necessário para despertar o arrependimento pelo meu gesto de brutalidade inútil, contra um animal indefeso, que não faz parte de nossa cadeia alimentar.

Desisti para sempre de caçar...

Nunca mais maltratei um animal qualquer...

Quebrei e toquei fogo no bodoque.

Nessa noite, custei muito a dormir, pois cada vez que fechava os olhos, revia o animal agonizando...