O homem não é Homem.
Luísa era mulher comum. Embora não fosse uma deusa escultural, chamava a atenção por onde passasse por ser dona de uma beleza que fugia dos padrões. Além disso, conforme a maioria dos homens que já haviam se relacionado com ela, direta, ou indiretamente diziam, era uma pessoa muito inteligente; e isto os inspirava medo. Ela não sabia disto, até o dia em que um deles explicou por que estavam separando-se. Não era muito jovem, mas também não muito madura. Porém, encarava os fatos do seu cotidiano com uma certa dose de força que às vezes assustava as mulheres também.
Um dia, Luísa decidiu que não seria de mais ninguém. Não se dedicaria por inteiro a nenhuma amizade específica, trataria todos os amigos de igual forma. Assim, nunca estaria só, quando um destes faltasse a uma festa, por exemplo. Se quisessem confiar nela, que confiassem, ela não os decepcionaria. Mas não confiaria em mais ninguém. E assim seria com os homens; desde o pai, até o ex-marido. Quem garantia que quando faltava o dinheiro mísero de uma pensão alimentícia, não era por ter sido gasto em uma noitada com uma sirigaita? Realmente, não dava para confiar em seres que pensassem mais em sexo do que em matemática.
Mas ela tinha dúvidas. Às vezes alguns homens eram tão gentis diante dela, que não sabia se deveria enxergá-los desta forma.
Luísa trabalhava em uma função onde a maioria dos seus colegas eram do sexo masculino, e as pessoas que atendia na empresa também. Até se perguntava por quê os homens dominavam aquela área. "Por serem mais frios e calculistas"; respondeu seu superior, um homem, passional como todos aqueles que já haviam adormecido com cara de criança em seus braços.
Dúvida cruel. Ele estava afirmando, com toda a segurança de quem acredita ser dono do "sexo forte".
Naquela tarde, visitaria um cliente da empresa, conforme este havia solicitado, alegando não ter tempo disponível para tratar de negócios fora de seu escritório.
As palavras do gerente latejavam em sua cabeça, e além de duvidar existir um homem que não fosse passional, se perguntava se a classe social ou a função exercida mudavam alguma coisa no interior dos seres que segundo algumas pessoas, vieram de Marte. Está certo, alguns cheiravam melhor que os outros, dependendo do seu grau de vaidade e exposição. Alguns falavam mais baixo, ou abriam portas de carro. Uns deixavam que a colega de trabalho servisse seu próprio café, enquanto outros particamente não permitiam que ela levantasse de sua mesa.
Luísa estava vestindo uma camisa branca. O primeiro botão aberto. Sempre deixava os primeiros botões de camisas abertos, não por querer chamar atenção, mas por se tornar um decote não tão profundo, porém, não tão fechado. Ao ponto de chamar mais atenção para seu colo, conforme uma revista feminina aconselhara a pessoas que tivessem o tipo de corpo que ela tinha. Mas dos seus fartos seios, nada ficava a mostra.
Na rua, passou por um entregador de materiais de construção, a trabalho. Sujo de cimento e suado. Ao passar por ele, ouviu a frase "Tá valendo!"; dita quase aos berros, acompanhada dos risos do motorista do caminhão, que gritou um "Gostosa", logo atrás. A rua era de baixa transitação. A única mulher que estava por alí era ela. "Estes peões de obra são todos assim...", pensou ela, segura de que seria tratada de forma diferente pelo conceituado advogado do qual adentraria o escritório sofisticado.
Subiu os andares de elevador. Tocou a campanhia. O cliente atendeu à porta, já se desculpando por estar sozinho no escritório, a recepcionista estava doente. Puxou a cadeira para que ela se sentasse.
"Aceita um café?"
"Aceito, sem açúcar, por favor..."
"Então, se me der licença, estou sozinho, vou ter que pegar na cozinha."
E retirou-se. Ele era diferente do entregador. Nunca gritaria. Estava perfumado e alinhado. Voltou com as xícaras em uma bandeja. Serviu-a sem esquecer dos lados que a etiqueta manda alcançar algo a quem é servido.
Longa conversa, dúvidas desfeitas; ela puxou o contrato da pasta. Alguns campos eram preenchidos a mão. Ela baixou os olhos e escreveu.
Quando ergueu a visão deu de cara com um homem hipnotizado por um primeiro botão de camisa aberto.
"Doutor Alberto...? Alberto...?"
"Desculpe, estava distraído..."
"Por gentileza, o número do seu registro da OAB..."
"Só um minuto...vou ver na minha carteira...esqueci."
Os olhos dele haviam gritado. "Tá valendo...gostosa!"...ela saiu de lá com uma única certeza: a comprovação de uma frase que havia ouvido uma vez, não lembrava onde..."homem não é Homem, é bicho."