A esfiha que eu nunca comi.

Já anoitecia,e eu estava realmente com muita fome,mas tinha visto que não havia a esfiha que eu queria e fui voltando para entregar o dinheiro para minha mãe e me consolando em comer algo em casa mesmo.

Quando vi, minha mãe conversava com uma mulher,linda,porém sofrida.Dava para ver marcas no rosto dela,rosto claro, cabelos loiros.Ela vendia panos de prato e pedia para minha mãe comprar "pelo menos pra ajudar, Dona", ao mesmo tempo em que essa cena acontecia,vi uma criança que estava com ela, bonita igual, puxando a roupa de um dos fregueses da casa de esfihas e pedindo repetidamente "me dá um salgado, me dá um salgado". Eu vi que deram para ela, mas a outra que vinha, sua irmã, entrou desesperadamente na lanchonete e já foi dizendo que também sentia fome.Sem pensar muito, eu fui buscar aqueles olhos quase claros e brilhantes de mãozinhas pequeninas e sujas e perguntei-lhe se queria um salgado também.A resposta foi óbvia, levei-lhe a bonita vitrine de salgados e falei que ela podia escolher.Depois de muita indecisão, ela escolheu um kibe, mas disse assim:

-Tia, me paga um "Garaná" também

-Pago sim

-Mas não pode ser gelado

-Tá, ele está na geladeira,mas como você pediu o lanche pra levar, até você chegar em casa, já perdeu o gelo!

-Não tia, tem que ser sem gelo, tem que ser sem gelo, tem que ser sem gelo!

-Tá bom, fique calma, vai ser sem gelo!

Em poucos segundos meu cérebro foi a mil, aqueles olhos, a pequenina boquinha, a quantidade de panos de prato em suas mãos, o desespero da fome...

Eu dei a bebida e a comida para a pequena, paguei e fui embora com a minha mãe.

Senti meu estômago cheio, sentia meu rosto molhado em lágrimas,não tinha voz e não tinha fome.

Aquele salgado que eu deixei de comer porque não tinha do meu gosto e dei a menina me alimentou pelo resto da noite.

Seus olhos se tornaram os meus, suas mãos as minhas, e seu estômago vazio de fome o meu .

Isa de vírgulas
Enviado por Isa de vírgulas em 21/09/2008
Código do texto: T1189800
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