NEM VESTÍGIOS

Nem cheguei tão tarde assim, mas as estrelas já estavam no céu há muito tempo e a lua cheia insistia em trilhar meu caminho, em meio aos meus passos trôpegos e incertos. De alguma forma, consegui subir os degraus, me apoiando nas paredes quando me sentia tonto demais. Nem eu suportava mais o cheiro da bebida que exalava de todos os meus poros. Aquela, pensei eu, era mais uma noite, como todas as outras. Mais uma noite em que eu chegava bêbado em casa, sem mais desculpas para dar, com manchas de batom na gola da camisa, notinhas de boates na carteira, cheiro de perfume barato pelo corpo.

Só fui me dar conta que você não estava ali, quando desabei na cama e senti um estranho vazio ao meu lado. Tonto, eu ainda estava tonto. Mesmo assim, voltei minha cabeça para onde você dormia. Você não estava mesmo ali. Fiquei mais zonzo ainda. Estranho... Aonde mais você poderia estar? Você TINHA que estar ali, me esperando, como sempre fez todos estes anos. Onde diabos você poderia ter se enfiado em plena madrugada?

Bom, mas eu não pude filosofar por muito tempo acerca do seu sumiço. Eu caí no sono. Não era o sono dos inocentes, de inocente eu nunca tive nada. E eu dormi tanto, tanto, que só fui abrir os olhos novamente passando o meio dia. Então percebi que algo realmente estava errado, fora do lugar. Você não me acordou. Você me deixou dormir até arrebentar. Você não me acordou com um cafezinho preto e os olhos vermelhos de tanto chorar. Você me deixou largado na cama, sozinho e bêbado. Você não estava mais ali.

A sua ausência me jogou na beira do abismo, naquele quarto escuro. Minha cabeça latejava quando escancarei a veneziana e os raios do sol iluminaram minha surpresa e meu desgosto. Quando me acostumei com a luminosidade, fui procurar você. Não a encontrei. Somente vestígios... Ah, isto tinha bastante. Vestígios.

Louça para lavar, televisão ligada, um prato na mesa, com sobras de comida. Você certamente ficou me esperando, assistindo TV e jantando. Fui até o quarto, com o coração apertado. Não encontrei suas roupas. Nada. Também não encontrei sua escova de dente, bolsa, sapatos. Você cansou de me esperar. Nem terminou de jantar. Simplesmente enfiou tudo o que você achou que era mais importante dentro de uma mala e partiu. Nem a louça você quis lavar. A pressa era grande, a pressa em me deixar. O seu perfume ficou no ar ou o que sobrou dele. Do amor que você sentia por mim, nem vestígios. Fiquei parado na frente do guarda-roupa, atordoado, pensando no que seria de mim agora em diante. Eu não quero os braços dessas mulheres que eu encontro na noite, muito menos os beijos delas. Eu quero o seu calor e toda sua vida. Desejo teu corpo e toda tua alegria. Só que você se foi.

Eu não mereço você.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 20/09/2008
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