Os "Causos" do Leiteiro

Lá ia Joel. Como fazia todos os dias, levantava-se cedo e às 6:30 já batia à porta de “seu” Zé, para buscar o leite.

Percorrera os cerca de 5Km de estradinha de terra, com sua bicicleta Caloi que ganhara de seu pai em seu último aniversário.

Desde então, incubira-se de buscar o leite fresco todos os dias, no sitio de “seu” Zé.

Este, homem de seus já 70 e poucos, viúvo, com 7 netos, todos morando na redondeza, era um senhor feliz. Estava sempre sorrindo, contando anedotas, charadinhas e pregando peças em seus visitantes.

Todos os dias fazia Joel entrar e tomar café consigo, com broa de milho quentinha, untada com manteiga caseira, já derretida.

Em todas as visitas de Joel, seu Zé contava um causo, na grande maioria das vezes muito engraçado, o que fazia com que o garoto voltasse felicíssimos para casa, imaginando a história pelos mesmos 5km de estradinha acidentada de terra que antes havia percorrido.

Joel tinha então completado 10 anos. Morava bem próximo à cidade, com os pais e uma irmã mais nova, de 4 anos, Aninha.

Seu pai era um importante comerciante da região, senhor muito educado e respeitado.

Educava os filhos com muita atenção e carinho, conversando muito, mesmo quando havia a necessidade de uma bela bronca.

Sua mãe, dona Cíntia, era professora no melhor colégio da região, onde Joel e Aninha estavam matriculados.

Joel conhecia “seu” Zé do Leite, como ele o chamava, desde que se conhecia por gente.

Este passava todos os dias à sua porta para entregar o garrafão de leite fresco. Era só deixar o garrafão vazio na porta, que seu Zé trocava pelo cheio.

Quando tinha 5 anos Joel, que todos os dias ficava olhando curioso a chegada do leiteiro, julgando-o um ser mágico, pois mesmo nos dias das piores chuvas, do frio mais intenso, estava ali, cantando e sorrindo, abriu a porta abruptamente e largou um sonoro “Bom Dia!”. Seu Zé, assustando-se com o garoto, quebrou a garrafa com o leite do dia. Mas sem perder o bom humor, respondeu: “Bão Dia, minino!”.

Desconcertado, o leiteiro começou a tentar limpar o lugar, repetindo: “Isso nunca qui mi aconteceu”, “Isso nunca qui mi aconteceu”, quando foi interrompido por dona Cíntia e seu Rui, pais de Joel, que vieram acudi-lo.

No dia seguinte, Joel estava sentadinho no degrau da porta, esperando seu Zé do Leite, que apreensivo, trazia agarrado ao peito a garrafa cheia de leite, receoso de alguma traquinagem do moleque.

- Bom Dia!O que cai em pé e corre deitado? – Despeja o garoto, assim que seu Zé chega a seu destino.

- Como é? – Assusta-se o leiteiro.

- É a chuva! É a chuva! – Festeja Joel, por ver que seu Zé não sabia a resposta da anedota.

E todos os dias lá vinha se Zé do leite, alegre novamente, cantando aquela canção que só ele entendia.

O que mudou nessa rotina, a partir da garrafa quebrada, foi a amizade que se fez entre Joel e se Zé.

O “bom dia”, as piadas, as anedotas, os causos, enfim, sempre tinha que haver algo.

Joel guardava sempre um pedaço de pão, uma fatia de bolo ou um pote de geléia para seu Zé. Este, por sua vez, trazia o leite, mas como presente sempre vinha um queijo, um pouco de manteiga, um docinho de leite.

Nas festas de aniversário, o primeiro da lista de convidados era seu Zé.

Quando Joel estava para completar 9 anos, seu amigo leiteiro foi afastado do serviço de entrega, em função de sua saúde debilitada, onde seu filho, Dito, assumiu o posto.

Joel teve então a idéia de pedir a bicicleta a seu pai, pois não se contentava em ir somente aos domingos, visitar o amigo. Sentia muito a sua falta e a semana parecia não querer passar.

Joel perdera a vontade de brincar com outros colegas, não se concentrava na escola e tudo o que falava ou fazia, sempre colocava o nome do amigo.

Em seu aniversário, seu pai foi buscar seu Zé e, na volta, trouxe com ele a bicicleta. Com esses dois presentes enormes, Joel transbordava de felicidade e emoção, emoção que se estendeu a todos.

Ficou acertado então que Joel poderia ir todos os dias buscar o leite da família. Seus pais relutaram um pouco, mas por fim viram que não haveria perigo algum.

E quando chovesse? Essa era a maior preocupação de Joel. Oras, seu Rui iria, com ele, de carro buscar o leite, mas deixar de visitar seu Zé, nunca.

Assim se fez a amizade e por anos a rotina foi a mesma, muitas anedotas, muitas charadinhas, muitos causo, muito riso, muita felicidade.

Seu Zé foi-se quando Joel estava com 18 anos.

Deixou uma riqueza de contos e experiências de vida, o que ensinou Joel a entender muitas coisas, até a morte.

Todas essas lembranças vinham agora, quando com 21 anos, Joel escutava os aplausos dos familiares e colegas, ao terminar seu discurso de lançamento de seu primeiro livro: “ Os Causos do Leiteiro”.