É MEU !!!

A princípio, pensei em incluir esse texto no setor humorístico... Descartei a idéia por não ser "politicamente correto"... (pode não parecer, mas fujo de encrencas como o diabo da cruz...).

Esse fato aconteceu comigo em meados de 1984...

Estava próximo a minha casa, a caminho de umas compras de supermercado. Ao meu lado, minha fiel escudeira daquela

época - Dalva - que me ajudava nos serviços de casa.

Observei um camelô que parecia ter acabado de se instalar numa esquina a vender relógios e confesso que até hoje sou chegada a relógios de camelô.

Ele parecia preocupado em dispor a mercadoria de modo que ao menor sinal do "rapa" pudesse fechar sua mesa-maleta com rapidez e segurança. Não parecia ser um camelô experiente, talvez fosse uma espécie de estagiário, ainda sem intimidade com jargões publicitários para arrebanhar fregueses a sua volta...

Esperei que notasse minha presença. Era um homem de baixa estatura, de olhos pequenos e desconfiados. Examinei os relógios, decidida a comprar um deles. Deixaria para o dia seguinte a pergunta que faria para mim - "por que eu comprei mais um relógio?"...

A escolha foi breve, já que por eliminação, restara mesmo só um deles...

- Quanto é? perguntei-lhe exibindo-o já no meu pulso.

- É meu.

- Eu sei que é seu... mas eu quero comprar... Quanto é?

- É meu.

- Olha, o senhor está vendendo e eu estou comprando... daí , quando eu pagar, passa a ser meu... mas eu tenho que saber o preço... QUANTO CUSTA ESSE RELÓGIO?

- É meu, é meu, é meu, é meu, É MEU, É MEU....

O homem começou a ficar nervoso, repetindo como um mantra a expressão.

Comprar aquele relógio, naquele momento, era para mim um desafio, uma obsessão...

Só então ouvi uma risada abafada. Era a Dalva que, atrás de mim curvava-se. Estava quase urinando. Tive vontade de estapeá-la. O homem continuava gritando - É MEU - com olhos insanos... Achei que no ar poderia existir algum tipo de gás que interferia nas emoções, talvez eu também já estivesse contaminada sem me dar conta disso, já que meu impulso naquele momento era largar os dois e sair dali com o relógio no pulso... até que minha secretária resfolegante, pediu a palavra...

- Dona Belinda, o homem é fanho...

- E daí?

- O preço é M I L mas ele só consegue dizer MEU...

Uma espécie de letargia tomou conta de mim. Não tive coragem de olhar para ele... Não sei exprimir em palavras o que senti... Pensei em pedir desculpas, mas ele poderia responder-me e a última coisa que gostaria naquele momento seria ouvir sua voz fanha... Não me responsabilizaria pela minha reação...

Desisti do relógio, mudei o caminho habitual até o supermercado e... não inclui esse texto no setor humorístico do Recanto... espero que os fanhos e os amigos e parentes deles me perdoem...

Belinda Tiengo
Enviado por Belinda Tiengo em 12/09/2008
Reeditado em 16/09/2008
Código do texto: T1175084
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