EVANGELIZAÇÃO

Era início de uma manhã de outubro. O sol de Montes Claros, principal cidade do Norte de Minas, já nascera quente, provocando calor abafado, seco, escaldante. O jovem armou-se de seus assessórios de ciclista, apanhou sua bike e rumou para a estrada. Nada disse a seus pais.

O trepidar surdo dos pneus no asfalto estimulavam a sanha de dispender energia do jovem ciclista. Segue pela avenida Sanitária, avenida Cula Mangabeira, avenida Castelar Prates e, depois, pela BR 365 em direção à Pirapora. Começa a subir a serra, o corpo avisa que o esforço físico está excessivo e a mente alerta sobre o fato de ter esquecido de levar água consigo. O sol fica cada vez mais quente. Após pedalar forte por cerca de quinze quilômetros, quatro deles subindo a serra íngreme, durante quase meia hora sob o sol a pino, decide voltar.

Chega em casa uma hora depois, suado, desidratado, extenuado, ofegante. Senta-se no sofá enquanto retira dos pés as sapatilhas e movimenta os dedos dos pés em busca de relaxamento. A campainha toca. O jovem aguarda no sofá tentando estabilizar a sua respiração. Ninguém vai atender; a campainha soa pela segunda vez. O jovem ciclista caminha descalço e meio claudicante até o portão, onde depara com dois homens: um jovem e um outro um pouco mais velho.

– Bom dia, meu amigo – Disse-lhe o mais velho – Somos mensageiros de Deus, Testemunhas de Jeová, e estamos aqui para trazer a presença de Jesus na sua vida. Na bíblia...

O jovem, postado de pé diante do seu interlocutor que falava sem parar, sentiu uma sensação de ondulação no chão sob seus pés; sua cabeça pareceu girar. Olhou para os lábios do seu interlocutor, viu-nos movimentar-se, mas não conseguia mais ouvir sequer uma palavra do que lhe estava sendo dito. As imagens dos dois homens à sua frente pareciam duplicar-se e voltar ao normal como numa flexão de inflar e desinflar as paredes de um balão. As vistas começaram a escurecer. O jovem sentiu que iria desmaiar; apoiou-se no portão para não cair e se viu amparado pelos dois homens.

– Acolhe este jovem que está se sentindo mal, ó Senhor...

Foi então que o pai do jovem vinha da sala em direção ao portão e viu a cena: dois homens bem vestidos, portando pastas e panfletos evangélicos, segurando seu filho. A reação do pai foi impulsiva. Armou-se imediatamente com uma vassoura e partiu em defesa do filho que, na sua visão, estava sendo submetido a um ritual de exorcismo. Os dois crentes, ao verem o pai do jovem vindo ameaçadoramente em direção a eles, largaram o rapaz e fugiram correndo pela rua seguidos pelo homem que empunhava a vassoura e tentava atingir-lhes enquanto esbravejava:

– Seus crente fiduma... Volta aqui que eu vou mostrar procês como é que reza um pai-nosso... Cambada de vagabundo!...