Afeição

Ela trabalhava na mesma empresa que ele, só que em departamentos diferentes. Ele já tinha se declarado apaixonado à ela várias vezes, sempre sendo rejeitado. Mas não se conformava, e insistia:

- Mas pelo menos tentar podemos. Tu me achas muito assanhado, mas sou só um apaixonado declarando-se.

E como sempre:

- Já te disse que não sou como as outras que saem com o primeiro que aparece, e que também não vou com a tua cara.

E ele, arrasado, ia para o bar beber e desabafar:

- Rapaz, essa pequena sabe mesmo me humilhar. Pois veja só tu, que hoje mesmo disse na minha cara que não se dá comigo. E isso na frente de todos da firma.

- Calma, tu estás precisando é de mais umas cervejas. Mas me diga como ela te fala isso?

- Me fala isso direto, e o que é pior, ainda faz chacotas de mim para os outros. Disseram a mim que ela falou que sou um idiota que não sai do pé dela.

- A melhor solução é tu não mais falar com ela. Esquecê-la.

- Tens certeza?

- É batata!

Essa noite saiu do boteco em dúvida, será que conseguiria esquecê-la? Chegando em casa, arquitetou planos e mais planos para esquecer da pequena.

No outro dia, ao chegar ao emprego e passar por ela, nem a cumprimentou. Ela, por sua vez, comentou que hoje não havia sido estorvada.

Passou-se um mês e ele nada, nem uma palavra, nem um gesto. Mas por dentro, debaixo de todo aquele desprezo, sentia uma vontade que beirava o incontrolável, de agarrá-la. Três meses depois, ele já estava ficando doente, quando ao colega de bar pedia novamente ajuda:

- Rapaz, não agüento mais desviar o olhar da pequena. Preciso dizer algo, estou ficando doente!

- Calma, meu amigo, tire umas férias. Relaxe, veja outras garotas.

E então nosso protagonista foi tirar as tais férias, e escolheu, propositalmente, um lugar calmo e repleto de garotas, para que pudesse conhecer alguma especial por quem se apaixonasse.

Boa pinta que era, logo já tinha conquistado várias mulheres. Mas nenhuma delas o agradava, somente pensava naquela pequena.

Já de volta, foi tentar mais uma vez, a última segundo ele.

- Por favor, tu poderias ao menos tentar falar comigo.

- Quantas vezes tenho de dizer que não quero falar contigo. Digo mais, que preferia que tivesses uma bala na cabeça, que estivesses morto.

E, novamente, mais uma noite de desabafo no bar:

- Quer ver-me morto, mas eu não quero ficar longe dela para sempre.

E o amigo teve de segurá-lo, para que não caísse de tão bêbado.

- Calma amigo, o mundo não vai se acabar.

Entrou em uma depressão profunda, faltou ao trabalho por uma semana. Disse, então, ter se recuperado totalmente da talzinha, por suas próprias palavras.

Mas, passado certo tempo, lá estava ele novamente no chorando mágoas para o amigo no boteco:

- Ela ainda me mata, de desprezo, de ódio.

- Meu amigo tu ainda não esquecestes, acorde e veja que há muitas outras.

E então ele acordou, se casou com uma moça de um escritório do prédio vizinho, mas não conseguia esquecê-la.

Seu casamento durou exatos dois anos, pois a mulher não agüentava o marido só pensar em outra.

Por incrível que pareça, ele ficou arrasado. E então mais uma semana de depressão, até decidir ir falar com ela novamente:

- Não vês que eu te amo. Que sofro por estar longe de ti. Que estou me acabando. Que estou morrendo de amor.

E ela, mais fria do que nunca, disse:

- Se quiser acabar com seu sofrimento, se mate, se acabe. A mim pouco importa.

E ele sem dizer uma só palavra, saiu. Outro porre homérico.

Noutro dia, ao chegar na empresa ainda alcoolizado, foi direto falar com ela:

- Tu que pedistes.

E nesse momento sacou um revólver, e cometeu o suicídio.

A pequena que até então estava fria como gelo, sem ninguém entender, agarrou-se ao morto e começou a gritar:

- Não morra! Eu te amo!