RITO DE PASSAGEM
Cabeça da Burra me avisou que a mãe de Davi (Barata Tonta) tinha ido lá em casa enquanto eu estava na escola.
Visita de mãe de colega, sempre fede a queixa e mais desconfiado que o normal, entrei em casa e me apressei em mostrar o trabalho manual em madeira que tinha trazido da escola no intuito de amenizar o problema, fosse lá o que fosse.
Passei a tarde preocupado mas minha mãe não falou nada sobre a visita.
Durante o jantar, mamãe comentou com meu pai que nós tínhamos sido convidados para ir à sinagoga assistir não sei o quê.
Para tanto teríamos que fazer roupa nova de acordo com o rito judaico.
Depois de muito falarem ficou decidido que eu seria o representante da família.
Afinal eu era o colega de Davi e o tal negócio tinha a ver com ele.
Dias depois fomos ao alfaiate e ganhei um terno preto.
A camisa era branca, sapato e meias eram pretos.
Mais ou menos quinze dias antes do acontecimento, Barata Tonta desapareceu.
Estava preso dentro de casa sem poder colocar a cara na rua.
No dia da festa fui com meu pai para a Rua da Glória, no bairro da Boa
Vista.
Descemos do ônibus de Jaboatão, ao lado da Casa de Detenção, atravessamos a Ponte Seis de Março, andamos parte da Rua Velha e logo no início da Rua da Gloria, lá estávamos na Sinagoga que era também o Clube dos Judeus.
Fui entregue ao seu Samuel (o sobrenome dele parecia uma sopa de letrinhas) pai de Barata que se comprometeu em me devolver para casa quando o negócio acabasse.
Logo na porta, puseram o kipá em minha cabeça (aquela bolacha de pano todo enfeitado).
Fui levado para um canto com a recomendação – Não saia daí!
E haja velho falando e cantando numa língua que eu não entendia bulhufas.
A única coisa que eu sabia responder era amém.
Apesar de toda seriedade da cerimônia, não pude deixar de rir quando Barata Tonta, branco feito prato de papa de maisena sem canela, entrou todo vestido de preto com um pano branco nos ombros (como o chale de Dona Donzinha) carregando uns rolos grandes amarrados com tiras, acho que de couro.
Quando acabou, fomos para o salão.
Tinha muita comida e grupos folclóricos de dança.
Comi bastante, dancei e cantei "hava nagila" e "shalon aleshen".
Apesar do calor não podíamos nem desabotoar, quanto mais tirar o paletó.
Nessa ocasião, conheci o avô de Barata que tinha vindo de Israel especialmente para assistir esse rito de passagem.
A partir daquele momento, Barata Tonta (Davi sopa de letrinhas) era um homem, e podia sentar junto com os outros iniciados, no espaço próprio da Sinagoga.