BATEU, CAGOU

O quintal da casa do outro lado da rua bem em frente à minha, era tão grande que fazia o fim do quarteirão esquina com a outra rua.

Muitas arvores frutíferas e um pé de fruta-pão, que era o nosso castelo inexpugnável.

Lá de cima, num galho que se projetava para fora do quintal, tinha-se a visão privilegiada das duas ruas...

Era nosso posto de observação.

A munição para a guerra tinha sido preparada na véspera.

Bolas de barro secadas ao sol que todo mundo chamava “bateu-cagou” eram atiradas com badoque e quando pegava em alguém, doía muito. Daí o nome.

Junto ao muro haviam sido colocados os restos de um pinheiro velho cortado recentemente.

Faríamos um foguinho para assar as bolinhas.

Nosso armamento seria mortal...

Arranjamos lata para servir de assadeira e Barretinho foi buscar a caixa de fósforos da casa dele.

Juntamos pedaços de jornal velho e folhas secas.

O foguinho que começou fumaçando muito devido à umidade das folhas, pegou nos galhos do pinheiro, a resina entrou em combustão e em pouco tempo, parecia que o mundo todo estava em chamas.

Corremos todos...

Cada um para sua casa...

Entrei desconfiado e fui botar milho para as galinhas...

Era meu álibi perfeito.

Mas o fogo estava na frente da casa de Barretinho (do outro lado da rua, mas na frente) e a mãe dele, sabendo do que o filho era capaz, pediu a caixa de fósforos que ele tentava, inutilmente, esconder dentro do calção.

Debaixo de uma chuva de tabefes, o traidor me acusou de cumplicidade.

Foram à minha casa, a mãe de Barretinho com ele puxado pela orelha, a mãe de Cabeça da Burra (outra vítima da delação não premiada) e a dona do casarão.

Quando mamãe me chamou, atendi prontamente que era para não levantar suspeitas quanto a minha presença “comportada” dentro de casa.

Quando cheguei à varanda, lá estavam todos me acusando de ter ateado fogo no quintal da vizinha, que também era professora de todos nós.

A única defesa que me ocorreu foi dizer que o fogo não era no quintal e sim na rua.

Ela então disse:

- Se é na rua eu não tenho nada a reclamar. Isso é brincadeira de menino mesmo...

Livrei-me da surra, mas não do castigo. Dois longos dias sem poder botar o pé na rua.

Quando voltava da escola, ficava em frente aos livros e cadernos sobre a mesa, porém o pensamento estava lá nos restos da fogueira, com a lata velha, cheia de “bateu-cagou” assadas, esperando pela batalha mortal que jamais aconteceu.