Maldade e Bondade- parte 01 de 02
Tanto a Maldade como a Bondade estão dentro de nós. Os dois sentimentos convivem lado a lado. A natureza intrinseca do ser humano revela ora um, ora outro. Mas ninguém pode negar que existe somente o ser mau, ou o ser bom. Um sujeito pode disfarçar ser apenas bom, ou podemos julgá-lo como de todo mau, no entanto ele sempre terá um ponto, dentro de si, que não conseguimos captar, por falha de nosso entendimento, onde o bem e o mal estão escondidos. Um acontecimento qualquer pode despertar o lado adormecido, ou desconhecido.
Viviam em um pequeno sítio, longe uns tantos quilômetros da cidade mais próxima, um velho e dois filhos homens. A mulher desse homem falecera já a algum tempo. Os rapazes chamavam-se Paulo e Pedro. O primeiro era o mais velho. Tinha perto de 25 enquanto o outro não tinha ainda dezoito.
Ás vezes nos perguntamos, quando passeamos por esses lugares inóspitos , como pode uma pessoa viver em lugar tão afastado da civilização. As terras do sítio, não eram boas, no entanto devido a teimosia do velho e seus filhos, aos poucos ela se rendia e ora de seu centro brotavam lindas espigas de milho, ora o feijão deitava seus grãos. Não era coisa de plantação dessas grandes fazendas, era apenas o suficiente para comprarem um pouco de mantimento na vila, quando o velho ia aos domingos. Nesses dias, os rapazes se arrumavam o melhor que podiam: Paulo tirava os pelos que teimavam em aparecer em seu rosto, e Pedro demorava-se em frente ao espelho arrumando seu longo cabelo preto.
E assim era a vida deles, uma vida comum, com alegrias e tristezas, mas sem grandes planos. Viviam como podiam, sem reclamar, mas também sem desanimar. Os rapazes nunca cogitaram de mudarem-se de onde estavam. Talvez pelo respeito ao pai, já velho e cansado, que eles não lembravam qual a última vez que ficara dentro de casa em um dia de sol. Ele vivia para aquela terra, e parecia que ela entendendo o seu sofrimento, e seu apego, lhe dava o essencial para continuar a viver ali.
Então um belo dia, chegou uma camionete com uma turma de rapazes, para morarem no casarão abandonado quinhentos metros a frente deste sítio tão familiar.
De longe, "seu" João, que era o nome do pai de Paulo, acenou para eles alegre por ter companhia. "Está vendo só! - dizia ele- agora até os jovens começam a ver o valor da terra."- na esperança de que os novos vizinhos fossem lidar com a terra. Não foi bem assim.
Três meses se passaram, os moradores do sítio "Esmeralda", em homenagem a mãe de "seu" João, ainda não haviam trocado longas palavras com os vizinhos.
Pode até parecer estranho, mas a verdade é que os sitiantes, laboravam o dia todo, chegando em casa somente ao cair da noite, e já saindo antes do amanhecer, quando iam encontrar a terra ainda úmida de sereno, pronta para receber os grãos e as enxadas que porventura levassem a tiracolo.
Mas notavam que ao contrário deles, os vizinhos ficavam quase o tempo todo em casa. Não lidavam com a terra. E havia também um movimento de carros ali, sempre durante a semana.
Então com o passar do tempo, ouvindo o rádio, que sempre levavam quando iam roçar, capinar ou plantar a terra. Eles começaram a indagar se os vizinhos não faziam parte de algum bando de assaltantes, ladrões.
Isso eram só indagações, mas o certo é que sempre os tratavam bem, nas raras ocasiões em que se viam, apenas se cumprimentavam rapidamente no entanto com bastante alegria e entusiasmo.
Paulo perguntava-se se valia a pena querer saber mais a respeito dos novos vizinhos. Pedro, pelo furor da idade, queria ir até lá e tirar a limpo tudo logo de uma vez. O velho pai, já sábio pela idade, lhes disse então que o que mais tinha valor na terra era a vida, e que se os outros não lhes fizessem mal, podiam ser o que fossem, não lhe importava.
Sem coragem de discutir com o pai Paulo ficava imaginando escapulidas para se achegar, escondido, próximo do barracão que os rapazes tinham construído próximo a velha casa. Era no barracão que eles colocavam os carros quando chegavam da cidade. Eram tres carros pequenos e velozes, e uma velha camionete, C-10. Como ele sabia disso, perguntará você. Bem, como eu já disse ele estava bisbilhotando, sem o velho pai saber.
Quando íam até a vila, nos domingos, o pessoal de lá também não sabia dizer no que os rapazes trabalhavam. Todos davam palpites, um com mais certeza que o outro, avaliando ora as roupas, ora os carros, dizendo que eram rapazes de posses, ou até mesmo alguém que devia ter sofrido uma grande decepção na cidade. Mas o certo é que ninguém sabia o certo.
Mas um dia ouviram na rádio a descrição de um assaltante de banco procurado. No início ficaram indecisos mas então logo constataram se tratar de um dos rapazes que morava na velha casa.
Por muito tempo houve quase que um trato explícito em relação aos dois grupos. "Nós sabemos quem são e o que fazem, não nos façam mal e não falaremos nada". Era esse o tipo de trato. Mas era um trato sem ninguém precisar falar nada, pois ambos apenas se cumprimentavam, raramente trocavam mais que duas ou tres palavras; "Bom dia", "Boa noite" e coisas do genêro.
Ao longo do quintal da casa onde os assaltantes moravam, desfilava um gramado muito verde, com a grama sempre bem cortada. Era sempre de noite quando faziam isso, pois os rapazes, Paulo e Pedro ouviam a máquina barulhenta de dentro de seus quartos.
Era um sábado, e os moradores do sítio "Esmeralda" voltaram mais cedo da lida na roça.
Cansados, os rapazes tomaram um banho rápido e foram para fora de casa, ouvir música no rádio, enquanto tomavam chimarrão com o velho pai. Estavam somente de calção e chinelas.
De repente ouviram gritos vindos da casa onde os assaltantes estavam morando.
Olharam-se, um como que perguntando ao outro o que era aquilo.
O velho pai, os chamou para dentro, dizendo que ás vezes é melhor se fazer de surdo para poder continuar a andar sobre a terra.
Os gritos continuavam, fortes, estridentes, rasgando o espaço. Eram gritos de dor.
Paulo olhou para Pedro, este balançou a cabeça, como a dizer "não tenho nada com isso". O velho pai viu que Paulo não estava se controlando. Então passou a mão no ombro nu do filho, como se fosse a última vez, sendo que talvez fosse a primeira vez que esse carinho fazia ao filho.
Paulo entendeu que o grito era de mulher. Era um grito fino, que rebentava nos ouvidos.
Pedro entrou para dentro de casa. Paulo saiu em direção ao local de onde vinham os gritos, mal caminhara uns cem metros distinguiu os cinco rapazes na grama do quintal da casa. Estavam como que segurando alguém enquanto um deles, aquele que sempre parecera o mais educado e gentil, estava curvado sobre algo no solo.
O sitiante apertou o passo, e mais a frente viu o que se passava.
Um dos assaltantes, o tal de Marcelo, estava com uma furadeira na mão enquanto os outros quatro seguravam, deitada no chão, uma moça. Estava gritava e gritava sem parar. No entanto seus gritos já não tinham mais tanta força. Ela chorava, os rapazes davam risada.
Paulo não viu se eles o viram. O sangue lhe subiu á cabeça com a cena horrorosa que presenciava.
Desarmado, sem um único pedaço de pau na mão, ele se dirigiu para onde os rapazes estavam.