FIQUE À VONTADE, A CASA É SUA!

Brasília, 01/09/2008

O relógio mostrava 4:30 da manhã. Acordei de súbito meio apavorado. Levantei a cabeça e vi a minha mulher dormindo de lado, numa tranqüilidade de dar inveja. Os pequenos sussurros de sua respiração, tranqüila e serena, contrastavam diametralmente a minha agonia e desespero diante do sonho que acabara de ter. Pensei até que fosse por causa da briga que tive no trabalho, por não concordar com os rumos da empresa e a possibilidade de minha demissão. Não, talvez esse sonho turbulento fosse por causa das discussões que vinha travando com minha mulher por causa da cor que ela escolheu pra pintar nossa casa: cor-de-rosa. Quem sabe até fosse, pensei, a indigestão daquela deliciosa feijoada que comi à noite, contra a vontade da minha mulher que, sabiamente, disse que não se deve comer comida pesada à noite. Ou talvez, ainda, porque tive que aplicar um leve psicotapa no meu filho mais novo, porque ele não vem se saindo bem nas provas da escola. Na realidade essas palmadas dóem mais nos pais...

Levantei, com cuidado, o meu corpo da cama, pois a minha coluna, tão enrijecida, podia dar um “jeito” e acontecer alguma coisa. Não era demais pensar de forma tão funesta, em face do estresse da lembrança do sonho que aos poucos ia aparecendo. Devagarzinho pus os pés naquela chinela velha e me dirigi ao banheiro pr’aquelas necessidades que todo homem faz em pé. Depois de beber um gole d’água, fiquei na sacada do quarto, olhando a paisagem, ainda escura, lembrando o motivo daquela noite apavorante.

...Uma luz de lâmpada fluorescente, clara e forte, partia do teto de um corredor e brilhava ofuscante contra os meus olhos. As pessoas correndo: do lado direito minha mãe; do lado esquerdo minha mulher; na frente iam meus filhos caminhando apressadamente. Na cabeceira um enfermeiro gritando: “- saiam da frente, saiam da frente...”.

Na fase seguinte da lembrança do sonho, diga-se pesadelo, estava eu contorcendo de dores nos braços, uma vez que a enfermeira não conseguia pegar a veia de meu braço direito. Algum tempo depois, como não conseguia pegar as veias dos braços, ela então foi determinada à veia do dorso do pé. Nessa hora eu percebi o quanto doía aquela agulhada. Também o tamanho da agulha era de dar medo. A dor era insuportável na cabeça, que se encontrava enfaixada, e também no tórax. Ouvi alguém dizendo que a pancada havia produzido uma hemorragia interna. Eu ouvia as pessoas falarem. Eu queria falar com elas também, mas não conseguia, pois as minhas palavras elas não conseguiam escutar. Aquele terror perdurou uma noite inteira e as pessoas que chegavam a meu quarto perguntando como tinha sido aquilo, saíam chorando. E eu tentando entender aquela cena de horror, tentava falar com as pessoas e elas olhavam pra mim, mas não me escutavam.

De repente tudo se acalmou. Um homem e uma moça chegaram acompanhados do médico, pois estava vestido de branco. Eles se aproximaram de mim e perguntaram: “- E então, Roberto, está se sentindo melhor?”. Pedi pra moça que me trouxesse um pouco d’água, mas pedi que fosse do filtro, pois não gostava daquelas águas de garrafinha. Prefiro as do filtro porque elas me lembram do pote d’água da moringa que tinha lá em casa quando era criança. Eu tinha sede e a moça me deu da água, cristalina e com gosto de água de filtro. Mas não sentia dor alguma. E então perguntei ao médico, aquele amável senhor que entrou no quarto com a moça e o outro homem, que remédio ele havia me dado pra me sentir tão bem.

E então, para meu espanto, mas com um alívio indescritível, as coisas ficaram claras pra mim, quando aquele que pensei ser o médico me apresentou a moça que estava do lado e que me havia trazido água. Era Conceição, minha irmã que havia morrido em 1975; o homem, na verdade, era o meu pai, também falecido há alguns anos que, me olhando daquele jeito, sorria pra mim, como que me dando as boas vindas. O senhor, que pensei que era o médico, se apresentou em seguida: “- Desculpe não ter me apresentado. Meu nome de batismo é Jesus, me chamam de Cristo. Ontem, enquanto estavas em delírio de febre e em coma, clamaste por mim. Agora resides comigo. Fique à vontade, a casa é sua!”. Então acordei bruscamente, com um profundo respiro e susto relatado no início.

Agora, que são mais ou menos 5:00 da manhã, completamente insone, da sacada da minha casa já vejo os primeiros raios do sol entre as colinas do Grande Colorado, e percebi existirem coisas que a gente não consegue ver no dia-a-dia, pois a correria em busca do vil metal nos consome o tempo e a paciência. Descobri, por fim, o quanto são bonitas e como essa exuberante natureza daqui do planalto central são verdadeiras pinturas de Deus! Os "grandes" problemas que, antes de dormir, eu pensei que existissem viraram nada, diante do tudo o que esse sonho me fez perceber e que, na verdade, quaisquer problemas que possam acontecer são apenas pequenos temperos nessa grande feijoada da vida, para nos atentar para a beleza e candura dos tempos de calma.

Esse contato com o além, através desse sonho, me fez ver as coisas de forma diferente e sentir que a casa da vida é minha. E nela eu devo ficar à vontade pra viver a vida com intensidade e não me perder em preocupações, brigas e picuinhas.

Roberto Dourado
Enviado por Roberto Dourado em 01/09/2008
Reeditado em 01/09/2008
Código do texto: T1157326
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