Financiados pelo governo

Era uma bela tarde de domingo, nada de anormal.

Jovens iam aos bandos ao show de alguma banda pagodeira que estava na moda. Garotas desfilavam suas roupas íntimas que escondiam as mini-saias... Ou o contrário; não me recordo bem. Os garotos desfilavam com as camisetas protegendo os ombros, enquanto os peitorais malhados no dia anterior eram queimados sem piedade pelos raios do sol.

O evento começava de noite, mas logo após o almoço o parque onde se daria a apresentação já estava lotado. Era tudo mui belo, mui simpático. Em pouquíssimo tempo as bebidas já estavam esparramadas pelo chão, homens e mulheres embriagados da cevada, garotas beijando rapazes; rapazes esbeltos que nem lhes guardavam as fisionomias até o dia seguinte. Muito poético.

A tarde foi chegando ao fim, nesse ritmo lento e moderado... Algumas meninas já estavam sem algumas peças de roupas e eram tiradas da pista sem nenhum cavalheirismo por brutamontes que eram chamados de seguranças. Tarde normal.

E então, no início da noite, começou o show. Infelizmente estava lá de gaiato: odiava a banda, odiava eventos sociais, odiava sociabilizar, odiava falta de vergonha na cara. Mas tudo em nome da diversão, fui acompanhar alguns amigos. E infelizmente, eles haviam se embebedado nas primeiras horas, e eu fiquei sozinho (odiava bebidas alcoólicas também, até porque, éramos menores de idade), tive que me contentar com algumas garotas com hálito fresco de álcool. Senti náuseas ao beijá-las, mas fazia parte da festa.

Porém a noite, sempre ela, muito bela, trazia uma esperança em meu peito, de que toda aquela animação acabasse com o começo do show. Torcia para que todos ali fossem reais fãs da banda aclamada. Ledo engano!

Como eu, ninguém se importava com a banda, e ao contrário de mim, estavam todos ali por causa das promiscuidades. A coisa toda só piorou com o cair da noite e então eu vomitei de nojo – perdão ao leitor sagaz, mas tinha que contar.

Quem ainda tinha roupas perdiam as últimas peças, os “seguranças” se juntavam na folia, os “cantores” incentivavam a alegria, policiais eram chamados e invadiam! Vi cenas deploráveis de silhuetas ao longe fazendo orgia... Fiquei imensamente traumatizado. Resultado: Nunca mais fui a um show de pagode, nem de outra coisa qualquer que não fosse do meu gosto musical.

Porém contei-lhe tudo isso, para ressaltar uma coisa, uma coisa dentre tantas me intrigara de forma diferenciada. O fato era que tudo aquilo era financiado pelo governo. Sim, pelo governo!

Como? Oras, é fácil... A entrada era franca, os músicos contratados pela prefeitura, o espaço cedido pela mesma. O que os jovens deviam fazer é encher os cofres públicos com o dinheiro da bebida. Sim, com dinheiro da bebida! Felizmente não dei um centavo ao governo naquele dia, pois ciente de que o lucro sairia do vício de outros, resolvi me abster. Fui feliz nesse quesito e agradeço imensamente por tal ato de sabedoria. Afinal, se tivesse bebido, quiçá fosse eu na tal orgia.

Calculando mentalmente, cheguei à conclusão de que a cidade ganhara um bom dinheiro naquela tarde, através de alguns atos ilícitos (menores de dezoito anos eram os que mais se chapavam), mas aí vai da consciência de cada cidadão, de cada jovem. Dever dos pais educá-los. E do governo testá-los. Porém não passaram no teste.

Mataram mais neurônios, ficaram mais dependentes, alguns contraíram doenças sexualmente transmissíveis, outros uma boa dose de glicose direto na veia, e teve ainda quem terminasse com a namorada graças às traições inconscientes daquela bela tarde...

Mas através dessa breve reflexão perspicaz, pude deduzir que o governo nada mais faz, do que promove o vício, a alienação, a criminalização e a crescente futilidade da juventude. Estaria eu correto?

Ora, óbvio que não. Já ia te levando em meus loucos devaneios, leitor. O governo nada mais fez que promover aquele tal do lazer.