Nenê

O nenê andava pelo quintal de terra, acabara de descobrir a horta da mamãe. E desde que descobrira as pernas era um ser livre. Livre para explorar aquele imenso território insólito, seu quintal.

Às vezes desequilibrava-se e caía sentado, mas sem a menor expressão de desânimo, levantava-se e continuava sua exploração. A fralda, sua única peça além da chupeta, já estava frouxa; parecia sambar naquele corpinho quase transparente que nem barriga de lagartixa, tamanho o peso que carregava.

A terra cheirosa e úmida da horta era um verdadeiro paraíso, quantos paladares! Salsinha, cebolinha, hortelã, louro, boldo... A boca do pequeno ia ficando cada vez mais com aquela tonalidade marrom-esverdeada. A minhoca só escapou porque o nenê se assustou um pouco quando a pegou na mão e ela se torceu toda, mas a joaninha não teve a mesma sorte. Toda coloridinha, devia ser uma delícia... Talvez por isso ele tivesse voltado à chupeta com alguma impaciência; provavelmente a joaninha, ainda viva, lhe fazia cócegas na garganta.

De vez em quando a mãe gritava lá do quartinho dos fundos: “Nenê! Cadê nenê de mamãe?...” Pelo silêncio deveria estar tudo bem, então a mãe cumpria mais alguns minutos de suas quatorze horas diárias na velha máquina de costura.

De repente os olhos do nenê brilharam. Havia detectado algo muito interessante; o que seriam aqueles grãozinhos bem vermelhinhos no meio das folhas verdes? Deixou a chupeta enfiada na terra e resolveu engatinhar até lá. É claro que um daqueles grãozinhos foi parar em sua boca. Chupou: “é bom!” Então usou seus únicos dois dentinhos para morder. O grãozinho se quebrou espalhando em sua boca um pouco de líquido junto com outros grãozinhos bem pequenos e duros: “opa, não é tão bom assim!” Sua boca começou a queimar. Com os olhos lacrimejando, voltou arrastando-se até a chupeta, desenterrou-a e começou a chupá-la com força. Aliviou um pouco, mas sua boca continuava a arder. Aí o pensamento mágico: “mãe!” Chorando e tropeçando a cada três passos, conseguiu chegar à porta do quartinho. A chupeta já ficara caída no chão em meio ao rastro de baba e lágrimas.

A máquina de costura cessou seu barulho. Lá estava o nenê de mamãe, com terra até nos cabelos. Ele chorava e babava mais do que o normal, passava as mãos sujas no rosto e, assim, ia se pintando todo de marrom. “Que foi, nenê?” A mãe examinou sua boca. Encontrou as sementinhas brancas com os restos de pele vermelha: “ih, nenê, você comeu a pimenta da horta!”

O tanque de lavar roupas virou tanque de lavar nenê. Agora ele já chorava mais por causa da água fria do que pela boca ardida. Depois chorou mais ainda porque percebeu que a mãe chorava também, enquanto o esfregava. Após o banho e o leite morno, exausto, o nenê adormeceu profundamente.

A mãe, resignada, voltou à máquina de costura, sabendo que no dia seguinte estaria devendo mais um mês do aluguel, já atrasado desde que o marido sumira no mundo.