Ao Escrever
Acomodei o laptop sobre a escrivaninha do meu pai e sentei-me, distraído. Sem maiores pretensões, abri a tela do editor de textos. A página branca, desafiadora e suplicante por letras, lembrou-me de sensações juvenis.
Escrever já me foi algo natural, porém, noutra vertente artística da família, a paixão da minha mãe pelo seu violino era algo aterrador em minha meninice. Das manhãs em minha juventude, recordo-me da dificuldade que eu tinha em escrever. Não era pela falta de inspiração. Creio que surgia-me tal situação pelas quatro ou cinco horas; em etapas matinais e vespertinas, em que mamãe tocava sempre e sempre uma mesma melodia. Aquilo entristecia-me! Logo que ela iniciava, pela segunda vez, a mesma música, as histórias que me surgiam davam lugar à tristeza pela perda do meu pai. Ele havia composto àquela música para ela. Então, desde de que ele morreu, ela tocava sem nenhuma afinação, maltratando aos ouvidos dos presentes.
Enquanto ela insistia nos terríveis acordes, minha inspiração seguia para o limbo e a vontade de afastar-me colocava o meu corpo de menino em movimento, em direção às brincadeiras das ruas.
Quinze anos separam-me daquelas ocasiões em que buscava freneticamente pelo papel, buscando transpor neles a história nascida da minha fértil imaginação. Custou-me abdicar àquele hábito; porém, deixá-lo foi a alternativa que visualizei. Com o passar dos anos, o hábito da escrita afastou-se, dando lugar aos namoricos, às salas de cinema e, por fim, aos estudos e ao trabalho.
Hoje eu vim até aqui visitá-la. Ao desviar meu olhar do laptop, vejo na sacada mais adiante o seu olhar perdido em direção ao horizonte. Lentamente, ela ajusta o violino em seu ombro e retoma com brilhante maestria, a execução da música que papai lhe compôs. Uma lágrima saudosa escorre de seus olhos e, nos meus, outra. Sim! Quantas saudades do meu pai!
Quando menino, não apreciava àquela triste expressão de mamãe. Finalmente eu a compreendi; em meio à tarde, nesta sacada. Eu retomo a minha escrita, ao aceitar e compartilhar o eterno luto da minha mãe. Entendi, por fim, seus profundos sentimentos, mamãe! Outrora enterrei-me em meios aos seus tristes acordes; até diria que, no passado, os arpejos de mamãe me levaram ao suicídio! Aquele menino-escritor morreu, para agora renascer adulto.
Conto escrito para o Concurso Literário de Out/2007 da Revista Piauí