Pose de Popaye

Eu estava sentada a mais ou menos 100 metros de distância dele, e uma miopia providencial e renitente não me deixava vê-lo claramente como queria e deveria. Devia ter por volta de seis ou sete anos. Muito magro, excessivamente até. Os ossos salientes - podia-se contá-los - vislumbravam dias de fome. A cara amarrada, o descontentamento dela, a fome. Eu diria que os olhos eram ingênuos, mas cheios de determinação e nenhum medo. Menino miúdo, olhar graúdo, sem incertezas. Seus pertences jogados ao chão, os braços erguidos imitando Popaye, mas infinitamente mais poderoso, mais guerreiro. Um olhar de fera sem dono, insubmisso. Trauseuntes parados olhando o menino que enfrentava o batalhão de choque. Soldados armados, hostis, túnicas azuis: à deriva nas ruas do Rio e aquele menino franzino ali a perscrutar seus olhares, a vislumbrar e desafiar suas armas poderosas, sua "superioridade" aparente.
Os olhos das pessoas se alargavam: sorrisos de espanto, de medo, de incertezas, de cumplicidade, e o moleque ali, intimidando a polícia. Uma cena muda, com protagonistas contados: a hostilidade e a miséia ! O menino é um em mais de um milhão com fome ! A cena é velha: a pobreza pedindo passagem no enfrentamento cotidiano da sobrevivência a ferro e fogo. Um silêncio profundo. Cruzam-se olhares: o "choque "e o menino.

O batalhão retrocedeu. Ele pegou seus pertences de volta. O povo "arteiro" na torcida pelo herói aplaudiu ruidosamnte! Ele se foi. Levantei-me. Enxerguei de repente e nem o crepúsculo acalmou-me!

ESTE TEXTO FOI ESCOLHIDO, DENTRE 39, PARA SER PUBLICADO EM NOVEMBRO DE 2008, PELA EDITORA 'MAR DE IDÉIAS"!
Lenir Castro
Enviado por Lenir Castro em 27/08/2008
Reeditado em 15/06/2009
Código do texto: T1149370