A RECOMPENSA

Um grande alívio entrou na sala quando Dora passou pela porta nos braços de Antonio, o capataz da fazenda N. Sra. Da Conceição de propriedade dos Siqueira, seus pais. Desaparecida havia dois dias deixara em polvorosa a família e boa parte dos empregados à sua procura. Ali, naquela sala, todos estavam com os nervos à flor da pele e a imaginação não lhes soprava bons ventos, a não ser para dona Safira, a mãe, que sempre afirmava; “Ela já vai chegar!”. A filha saíra à cavalo no domingo pela manhã e não mais voltara.

Dora pálida e tremendo muito abre os olhos tenta falar, não consegue, balbucia algum som inaudível e novamente desmaia. Há sangue e marcas vermelhas em seu corpo e uma quase certeza que ele fora muito machucada. “Antonio, prepare a caminhonete vamos levá-la para o Hospital.” “Roberto, ligue para o Dr. Mário e peça-lhe que nos aguarde.” Disse dona Safira dirigindo-se ao marido, seu Roberto Siqueira, que mal conseguia manter-se de pé. Não escondendo o nervosismo ao ver sua única e adorada filha naquele estado, quase morta.

A fazenda mais próxima dali pertencia aos Torres, família que como os Siqueira, mantinha a pecuária como sua principal atividade, zebuínos e babuínos eram criados na região em grande quantidade para a engorda e depois vendidos para todo o país. Elcio, o mimado caçula dos Torres apaixonara-se por Dora ao vê-la na Feira de Agropecuária, tentou aproximar-se, mas fora rejeitado pela jovem. Acostumado a aventuras, muitas conquistas e sempre ter o que quisesse, principalmente por ser muito rico, as garotas da cidade deixavam-se levar pelo rapaz na esperança de que ele levasse o relacionamento à sério. Qual nada! Tinha uma dúzia de namoradas e vivia causando problemas para a família. Jurando vingar-se por ter sido repelido por Dora, Elcio Torres armara a violenta represália. Colocara um peão às proximidades da fazenda com a finalidade de vigiá-la e outro para avisá-lo assim que ela se afastasse da casa. Ordens dadas e executadas.

No domingo pela manhã Dora pedira a Antonio que selasse Tornado, seu belo cavalo branco, e saiu logo após o café. Ao passar pela porteira desce para fechá-la e é atacada pelos peões que a amarram levando-a embora pela mata. Já na propriedade dos Torres é violentada e espancada por Elcio e por seus capangas, conseguindo fugir no segundo dia de tortura.

No Hospital, depois de horas de espera, Dr. Mário aparece e tranqüiliza a família quanto ao estado de saúde de Dora só acrescentando que possivelmente, devido aos traumas causados pelos agressores ela não poderia, jamais, ter filhos.

Nada fora descoberto, Elcio e seus peões estavam impunes.

Passados dois anos na Festa do Peão, convidada a ser Rainha do Rodeio, Dora estava deslumbrante em suas vestes reais e com uma linda coroa emoldurando seu belo rosto juvenil quando Elcio aproximou-se e disse-lhe sorrindo: “Gostou rainha? Se quiser mais é só pedir". Reconhecendo a voz do agressor, Dora desesperada grita e todos correm para acudi-la sendo assim descoberto o autor de tamanha maldade e, dias depois, com a prisão dos peões, estava feita justiça. Mas para Dora nada apagaria a dor de não ser mãe e sua tristeza, por mais que quase nunca a demonstrasse era imensa, ela adorava crianças.

Um dia de novembro, quando as chuvas se fazem presente passando pela porteira, seu Roberto avistou uma cesta, desceu do carro a pedido de dona Safira, e descobriu que havia ali uma criança.Em casa, ao vê-la, Dora chorou e a apertou no peito como se sua fosse, criando neste instante um sentimento materno entre ela e aquele ser tão desprotegido.

Nascera o filho de Dora. Só não saberia jamais que aquela criança era filho de Elcio com uma jovem também por ele violentada. Recompensada da dor Dora nunca mais ouviu falar do infeliz que ao sair da prisão foi mandado para muito longe por sua família.

Lígia Saavedra