"As paixões"

Ana tinha muitas paixões; sensível e sonhadora pensava em ser professora, ou atriz, jornalista, o que surgisse primeiro, ainda estava indecisa.

Outra paixão era ver o pôr do sol à beira do mar, fazia isso quase todas as tardes, gostava de ficar olhando as ondas deslizando pela praia que mais pareciam ser feitas de ouro quando tocadas pelo brilho dourado do sol a se pôr. Era naturalmente alegre, apaixonada pela vida, mas, isso fora há algum tempo e hoje... ela se encontrava ali novamente.

Haviam se passado quase cinco anos desde que ela visitara o mar pela última vez... o seu lugar especial. Final de tarde, da calçada podia sentir o bafo quente subindo da areia, misturado à brisa suave do mar. Em meio àquele cenário, Ana tentava a todo custo afugentar as lembranças... que teimavam em voltar à sua mente. Era como se pudesse ouvir a voz do passado, uma voz sedutora, quase sussurrando lhe dizendo: — Boa noite!

Um belo rapaz queimado de sol vinha ao seu encontro, camisa no ombro, bermuda larga com bolsos fartos, chinelo no pé, chutando a areia despreocupadamente, de início ela pensou em correr acreditando ser um assalto ou coisa assim, mas algo a fez ficar ali, imóvel.

Sem que ela percebesse, estavam embalados numa animada conversa; Carlos era realmente envolvente apesar de seu jeito desleixado, algo que não lhe agradava nem um pouco; mas tinha bom humor e como sabia conversar. Apaixonou-se, ela por ele.

Carlos, ao contrário de Ana, toda certinha, romântica e sensível, era descolado, moleque matreiro, enlaçou-a direitinho; em pouco tempo estavam namorando e Ana, acreditando ter encontrado seu príncipe encantado, debulhou-se em poesias, cartas de amor, presentes, e era extremamente fiel a ele, até em pensamento!

Ele, por sua vez, com muito custo conseguia lembrar-se de alguma data importante para ela e, quando lembrava, apesar de não fazer muito esforço para isso, mandava alguma coisa só pra não passar em branco. Às vezes recebia alguns versos de presente que ela confeccionava com todo amor e afinco e perguntava todo preguiçoso:

— “É grande, precisa ler até o final?” E abria um sorriso maroto. O que a deixava sem graça e decepcionada.

Gostava mesmo era dos amigos, das rodas de chope, das viagens, não esquecia a data de nenhum jogo de futebol na praia, isso para ele era sagrado! Fiel a ela? Nem em pensamento!

Apaixonada, achava que era “o jeito dele” e não questionava. Deixou de lado toda sua vida, seus sonhos, planos; anulou-se, tornou-se a sombra dele.

Quatro anos se passaram, e como na vida tudo é costume, Ana acostumou-se a ser triste, a ser sombra, a ser nada.

Certo dia sentindo-se cansada e desanimada, sem saber porque, resolveu navegar pela internet, escolheu a cidade... trinta e oito pessoas na sala, mudou o nome e entrou, queria apenas jogar conversa fora para relaxar e esquecer... Já estava desistindo quando alguém entrou com um pseudônimo interessante, “anjo”; chamou-o para conversar, o que ele aceitou de bom grado. Perceberam que tinham gostos parecidos, e como era gentil, sentiu-se como se o conhecera há anos. Logo estavam trocando E-mails, Ana, extremamente cuidadosa, não deixava escapar nenhum detalhe que a pudesse comprometer: nome, endereço, telefone, nada... e o fez prometer que não a pressionaria senão ela bloquearia o contato.

Já Pedro não tinha medo de se expor e nem motivos para isso; sincero e honesto, notou em Ana uma pureza quase divina, algo que o impelia a querer ajudá-la.

Depois de passado algum tempo que Ana conheceu Pedro, sentia-se diferente... já era um vício chegar no trabalho todas as manhãs e encontrar-se com ele que a fazia sorrir a cada palavra amiga e a cada elogio que tecia a ela sinceramente. Passou a reparar novamente no céu, nas flores, no pôr do sol... lembrou-se do mar... que nunca mais visitara, pois tinha que ficar cuidando apenas de Carlos e não tinha mais tempo para ela.

Logo, passou a observar Carlos, que, comparado a Pedro, já não parecia tão interessante, nem bonito, muito menos romântico, sensível ou cavalheiro, qualidades que ela admirava num homem, e começou a reclamar, algo que nunca fizera antes, pois, calada, só aceitava o que Carlos lhe impunha.

Sentindo-se sufocado, Carlos começou a cobrar mais espaço, enquanto Pedro, apaixonado, falava em “ter nossa vida”, “você preenche meus espaços”, e em suas mensagens enviava trechos do “Soneto de fidelidade de Vinícius de Moraes”.

Acordou um tanto sonolenta aquela manhã, enfiou-se no mesmo uniforme de todos os dias, pegou o primeiro par de meias que viu pela frente e vestiu os sapatos sem brilho e desgastados; penteou o cabelo, amarrou-os em um rabo e foi para o trabalho sem ânimo; parecia estar em transe, não conseguia enxergar que o que lhe fazia mal era Carlos, ele a sufocava e a deixava nula, não o contrário. Abriu a caixa de emails e lá estava uma mensagem de Pedro; sorriu no íntimo de contentamento.

— Pelo menos alguma coisa para alegrar meu dia — pensou baixinho, tinha tanto medo que parecia que Carlos podia ouvir até seu pensamento. Nessa mensagem, diferente das outras, Pedro se mostrava cansado de tentar fazê-la enxergar o que ela não se permitia ver, ou acreditar e desabafou: — Ana, princesa... desculpe, mas, me deu uma vontade de chamá-la assim...,você precisa acordar, lutar pelo que quer; ser você mesma, crescer, sonhar, ter luz própria; tem coisas na vida que não valem a pena. Ele parecia saber, embora ela nunca tenha dito nada sobre Carlos ou sobre qualquer relacionamento que tivesse com alguém, mas a sua relutância fez Pedro desconfiar de alguma coisa.

Durante todo dia ela pensou nas palavras dele, em como ele a entendia e se preocupava com ela, de repente, à noitinha, já em casa, cansada de tanto pensar finalmente acordou!

Explodiu:

— Alguém que não vale a pena! E compreendeu, sim naquele instante... Carlos não valia a pena, era egoísta, insensível, irresponsável, culpou-se por ser tão cega e aceitar aquela humilhação durante tanto tempo... suspirou profundamente... sentada no chão apoiando-se na cama com as costas encurvadas sentiu-se com cem anos de idade, um peso tomava conta de seu corpo... não conseguia pensar em mais nada só em terminar com Carlos.

Não esperou mais, pegou o telefone, num misto de ódio e pena, e acabou com tudo... sim, por telefone, afinal, pensou, ele não merecia maior consideração do que essa, já havia suportado sofrimento demais. Do outro lado da linha, Carlos apenas deu com os ombros, como se a história deles fosse um pedaço de papel que se amassa e joga no lixo.

Ana adormeceu, ali mesmo, no tapete do chão do quarto onde se encontrava com o telefone entre as pernas. Exausta, os nervos em frangalhos, foi a primeira vez em anos que ela conseguira dormir tranqüila, sem preocupações.

Revigorada, acordou num só pulo. Não perdeu tempo, retirou a roupa do trabalho, com a qual havia dormido, tomou um banho quentinho, vestiu um roupão felpudo, chinelo velho, preparou um café e sentou-se em frente ao computador; afoita enviou uma mensagem a Pedro contando toda sua história, seus desencontros, tristezas; seu nome verdadeiro, seus sonhos, sua foto... Apesar dela já saber como era Pedro, nunca revelara seu rosto a ele; falou também sobre seu lugar especial, e confessou aflita: — Sei que pode ser tarde pra dizer, mas... descobri que... te amo! Para seu desespero, não houve resposta alguma. Esperou dias e nada.

Um suspiro profundo e dolorido a fez voltar à praia,... estava novamente sozinha; enxugou uma lágrima que descia pelo rosto... foi quando sentiu uma mão suave afagar seu ombro delicadamente, e antes que ela pudesse virar-se uma voz doce sussurrou ao seu ouvido um trecho do soneto de Vinícius de Moraes:

— “De tudo ao meu amor serei atento,... e assim, quando mais tarde me procure quem sabe a morte, angústia de quem vive... eu possa dizer do amor que tive: — Que não seja imortal posto que é chama, Ana virou-se e terminou o poema junto com ele... mas que seja eterno enquanto dure.”

O coração de Ana quase saiu pela boca, sentiu um frio na barriga e as pernas bambearam... era Pedro; sim era ele, bem ali na sua frente, tendo um sorriso meigo nos lábios e os olhos marejados de lágrimas.

Ana soluçava, Pedro apertou-a em um abraço terno e disse baixinho:

— Calma, eu estou aqui agora, não se preocupe, cuidarei de você. Eu também te amo princesa...

O sol se pôs para a tristeza e para a vida que Ana deixara para trás, permaneceram ali abraçados como se nada mais importasse no mundo, e que só o amor que sentiam um pelo outro bastasse.

Karina Volpi
Enviado por Karina Volpi em 25/08/2008
Código do texto: T1145504
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