A sua rosa, mamãe
A menina tinha os olhinhos miúdos. Verdes, lindos, bem pequeninos. Eram belos, sim, mas naquele momento ninguém estava preocupado com qualquer adjetivo. Se houvesse preocupação, era com as lágrimas contidas que não se viam escorrer pela face.
Nada melhor que um sábado de feriado prolongado e preguiçoso. Aquele que se estica da quinta até o domingo. Noitinha, família reunida. Pai, mãe e filha. Completando o retrato da família perfeita, o casal de amigos filando uma boca e trocando um papo gostoso ao pé da churrasqueira.
Lógico que nem tudo são flores quando se vê mais de perto. É a criança respondona que nunca se contenta, a outra abelhuda que quebra o copo sem cerimônia e sai como se nada tivesse ocorrido. As rusguinhas geralmente presentes entre amigos que ficam à flor da pele de vez em quando, mas são rápida e sabiamente amenizadas por terceiros. Ainda assim, tudo normal, corriqueiro.
Havia três rosas no pátio, vermelhas e bonitas, volumosas. Muito bem cuidadas, cultivadas ainda naquela tarde por mãe e filha.
O churrasco estava quase no ponto e a fumaça voava alto, dissipando-se bela e altiva no ar. Era o sinal da comida quase pronta, o momento de saciar o estômago, deixá-lo feliz. Teresa e Carla aprontavam o arroz, amante do churrasco. Pedro e Fernanda, os rastolhos, escondiam-se em algum lugar da casa à espera que alguém lhes encontrasse. Sem muita vontade, o pai da segunda subia as escadas em busca dos aventureiros sumidos.
__Vamos, queridos, tem uma carne bem gostosa esperando... Que esperança que isso era um bom argumento!
Aí, a vizinha chata aparece e abre a porta. Não era velha, mas a idade mental deixava-lhe anciã. E que fumaça era aquela, que conversa alta, não a deixavam dormir! A fumaça sufocava, o vai-e-vem das crianças incomodava. Saiu Teresa para o pátio e discutiu com a rabugenta. Felipe, a visita, esquivou-se do bate-boca e entrou na casa. Nisso, descia as escadas Marcelo com os pimpolhos pelas mãos. O coração de Teresa descompassou, acelerou e ela sentou-se na cadeira. A discussão estava encerrada. Terminava inacabada e nem sequer cogitaram continuar. Marcelo sentiu o peito acelerar, a adrenalina disparou. Segurou firme os frágeis pulsos das crianças.
__Ai, tio, tá doendo!
Sentada, o corpo amoleceu e os olhos fecharam. Felipe correu para acudi-la e suspendeu o seu corpo, já desmaiado.
__Corre, corre, abre o carro!
__Pai, o que tá acontecendo?!?
__Isso, abre a porta... assim... senta com ela que eu dirijo o carro!
O Corsa saiu em disparada noite adentro. Luz alta ligada, vidro abaixado, Carla fazendo-lhe vento. O velocímetro e a angústia subindo. Dá um desespero, o que será que aconteceu, ai meu Deus, que tudo se resolva!
Marcelo sentou-se com Pedro e Fernanda. Eles o olhavam, assustados. Por que tanta correria. E a mamãe, o que houve com ela? Porque o tio e a tia saíram correndo? Pai, você está chorando? Não treme, tio...
Chegaram buzinando, alarmando os enfermeiros. Uma maca veio rápido e transportou Teresa até o ambulatório. Felipe corria do lado. Carla ligava pra casa, avisando que haviam chegado. Ela tinha remexido os olhos, mas respirava. O que poderia ser? Possuía algum problema de saúde? Não parecia saudável.
E lá estava a menina, primogênita e único exemplar vivo daquela genética de beleza. Ouvira o que seu pai lhe dissera. Os tios que estavam ontem com ela também explicaram. Mas tudo ainda era muito distante. Distante como a mamãe, que morava com as estrelas. Distante como aquele lugar que só poderia admirar de muito longe, e só à noite. Tinha ela em suas mãos o botão radiante da rosa que plantaram. As duas, ontem ainda. Ficavam agora, apenas duas rosas em casa. Seu rostinho de anjo quase não soluçava. Olhava seus primos e o chão quase desaparecia. Muito devagar, inclinou o corpinho sobre o caixão e balbuciou algo. Não a via, mas sabia que estava ali perto. Bela como uma estrela. O punho cerrado abriu-se aos poucos e deixou assentar a rosa. Incrível como não chorava. Deixou a plantinha sobre o vidro e deu tchau, tchau, até de noite, mamãe...