Noite de Natal

Era noite de Natal. Eu, Maria Aparecida, andava pela Rua dos Tamoios quando o piscar incessante das lâmpadas das vitrines de uma loja de brinquedos me obrigou a ir até ela. Quando dei por mim já estava com meu rosto colado no vidro. Estava sonhando com o dia em que pudesse ter todos aqueles brinquedos, no entanto, só me cabia sonhar, já que sonhar era de graça e, mais do que isso, era a única coisa que podia fazer naquele momento. Foi o que fiz. Parei e fiquei namorando todos aqueles brinquedos que se amontoavam do outro lado da parede de vidro.

“Como são bonitos” -falava comigo mesma. Eram todos lindos, bonitos demais. Continuei a admirá-los. Por um instante tive a leve impressão de que o enorme urso de pelúcia ganhara vida e sorria para mim me chamando para entrar na loja - bobagem. Empurrei a vitrine na intenção de atender seu pedido. Esforço em vão. Desejo impedido por enormes cadeados. Queria apenas tocá-los. Pelo menos um deles, ou todos! Não era pedir demais, era?

Nossa, eles eram tantos... Fiquei zonza ao tentar contá-los. Impossível, pois estavam por toda parte. Bonecas e mais bonecas, carrinhos e mais carrinhos, bolas e mais bolas coloridas girando e girando em meus sonhos, prontas para pegar, chutar e brincar. Uma boneca meiga e maravilhosa estendia-me os braços para que a levasse daquele lugar. Eu, meio envergonhada, baixei a cabeça e olhei para os meus pés descalços e imundos, fugindo da responsabilidade de tirá-la daquela vitrine.

Era noite de Natal. A cidade estava toda iluminada para a grande festa. Todos se reuniam com seus familiares em volta de uma grande mesa banhada a fartura, e entre si trocavam presentes e sorrisos. Eu, pobre menina de rua, dividia a calçada com um franzino cão depois de um dia inteiro vagando pelas ruas a procura de comida. Naquela noite lamentava não ter como comprar uma boneca para comigo festejar o Natal. Um vazio crescia dentro de meu peito, quando me aproximava da vitrine e via, refletido no vidro, os traços de uma menina que de criança só tinha a vontade de sonhar. Eu era o oposto da boneca que olhava. Negra, suja, tinha olhos negros e cabelos crespos. A boneca era encantada, tinha brilho, seus olhos eram azuis e seus cabelos eram loiros.

Triste, sentei na calçada e me pus a conversar com o cão que me rodeava. Devia estar sentindo mais solidão do que eu – coitado! – mas nem por isso deixava de ser feliz. Devia viver só de sonhos e esperanças. Será esse meu remédio? Será que tenho uma cura?

Um despercebido sorriso me apontou nos lábios. Imaginei-me do outro lado da parede de vidro, junto daqueles brinquedos maravilhosos. Sonhar é melhor do que nada – repeti várias vezes comigo mesma. Estava feliz só de poder vê-los. E assim, sonhando, minha alegria foi sendo invadida pelo sono. Sentei na calçada, mas com os olhinhos ainda fixos nos presentes até que, por fim, as luzes se apagaram e os brinquedos foram sumindo na escuridão. O sono já vencia a vontade de olhar a vitrine e o sereno que caía do céu negro me servia como cobertor. Com a cabeça povoada de sonhos, agarrei a boneca de olhos azuis e cabelos loiros e adormeci. Era noite de Natal.