Uma pequena diferença

Foi no balanço desengonçado do ônibus lotado, que me peguei analisando a minha própria vida no desenrolar destes últimos meses. Sou um senhor de meia idade, formado em Ciência da Computação. Sou casado com uma princesa que, embora seja gorda, eu a amo. E desse amor, a jovem Maria Clara é fruto. Imagine uma garota alegre, feliz, que em cada ação qualquer desconhecido percebe o amor que ela tem por estar viva. Esta é minha filha! Porém, qualquer desconhecido percebe, também, que ela tem Síndrome de Down.

Junho de 2006. Fui surpreendido, enquanto trabalhava, por uma ligação de minha mulher que, aos prantos, tentava me contar o resultado dos exames pré-natais. Jamais esquecerei as palavras cortadas de Adriana. “Ela é diferente, meu amor, nossa filha é diferente.” Imagine-se no meio de uma movimentada avenida e, de repente, um ônibus vem em sua direção e choca-se contra o seu corpo te deixando desacordado, enquanto os pesados pneus passam por cima de seu sufocado peito... Foi nessa situação que me senti ao desligar o telefone. Não chorei, não sorri. Não me julguei culpado e nem me senti vítima. Apenas fiquei inerte, sem vida, sem ação. Desacordado.

Amigos comentam que, em determinados momentos, eu “viajo”, me distraio. Perco-me em pensamentos, na maioria das vezes, fúteis - confesso. Gosto de pensar, de analisar pós e contras de cada ação. E assim, exercitando essa minha loucura, estava eu no ônibus lotado voltando pra casa. Após alguns minutos, mudei meu alvo de observação. Comecei a reparar os traços das pessoas que, juntamente comigo, dividiam aquele mesmo veículo. Negros, pardos, brancos, albinos, amarelos, roxos, verdes, cabeludos, belos... Havia de tudo naquele ônibus! Tinha uma senhora ao meu lado que parecia querer cochilar, um rapaz negro, logo à frente, ouvindo seu rap no fone de ouvidos. Uma mulher, muito novinha, zangava com seus três guris: “Segura aqui senão o motorista vem aqui danar com vocês!”.

Nessas observações, vi que naquela condução, tinha mais ou menos umas 50 pessoas e todas eram diferentes umas das outras. Não havia ninguém ali com o mesmo tipo de cabelo, a mesma cor, a mesma altura, os mesmos pensamentos, os mesmos gostos. Todos eram únicos. Veio-me, a mente, a imagem doce de Maria Clara. Indaguei a mim mesmo. O que será que Adriana quis dizer naquela tarde: “Nossa filha é diferente”. Ela teria que ser igual? Igual a quem? Não encontrei repostas.

Minha filha, que daqui a poucos meses, completa quatro anos de vida não é uma garotinha igual às outras. Ela não tem o mesmo tom de voz, a mesma cor nas faces, as mesmas vontades e nem a mesma preferência por doces que algumas meninas da idade dela. Ahh! Ela também não tem o mesmo número de cromossomos que algumas crianças. Mas isso é só mais uma coisa incomum. Uma diferença pequena da minha pequena diferente...