A CRIANÇA E SUAS AMIGAS
Aquela criança era mesmo solitária.Vivia numa pequena cidade de interior com os pais,pessoas maravilhosas,mas,sempre ausentes;por força da profissão,é claro,êle fazendeiro e comerciante,metido com a política e ela,professora e delegada escolar,sempre viajando pelos municípios,fiscalizando e orientando.A menina ficava com a criada,que passava o dia entretida nos afazeres domésticos,cantarolando as canções de Luis Gonzaga e Francisco Alves,que se ouvia no alto falante na esquina da rua.E vigiando a garota,também,como lhe foi recomendado,pois esta “tinha duas por dentro”,como se dizia.A garota se entretinha com os brinquedos-inúmeros e caros-pois,ainda não tinha idade para ler;estava com quatro anos;filha de um auto-didata amigo dos livros e de uma professora,já sabia ler,mas,revistinhas com figuras,almanaques,ou livros de estórias,cheios de gravuras coloridas.Da sua janela,observava a esquina da rua,onde ficava o cinema e o auto-falante que tocava música.Haviam lhe dito para nunca dobrar aquela esquina,pois aquela rua de traz era perigosa.Quando ia para a Igreja,em frente á sua casa, de cuja entrada podia se ver a rua proibida,ela passava a vista rapidamente vasculhando a dita rua,mas,só via cachorros vadios e ouvia o silencio.O sino batia as sete horas e a rua dormia.
Aproveitando uma tarde sonolenta,enquanto Zefa lavava roupa no quintal,pulou a janela e aventurou-se a entrar naquela rua.Achou tudo calmo,casas simples ,de porta e janela,algumas com uma pequena varanda com teto de sapé,mulheres conversando nas portas,vestidas á vontade,xales coloridos nos ombros. Acho que era por isso que a chamavam de “Rua da Palha”Riam muito,gargalhadas francas e sonoras.Crianças jogavam bolinhas de gude ou empinavam papagaios.Avistaram a menina,olharam curiosas e uma delas falou:-uai,não é a filhinha do Prefeito?
-È sim;disse uma matrona gorda e morenaSerá que ta perdida?
A mais moça chegou até a garota,pegou-lhe carinhosamente nas mãos e levou até onde as outras estavam sentadas.
-O que faz aqui,garota?
-Ah,minha casa é muito chata;vim ver o que tem aqui.
Riram muito, alisaram seu cabelo,lindo,comprido,sedoso,as tranças grossas batiam no meio das costas;o laçarote vermelho estava meio desfeito,então tiraram,refizeram as tranças com jeito e carinho e disseram:-Parece com Nossa Senhora.
Continuaram sua conversa alegre,movida a risadas,algumas pitavam fumo e a mais velha deitou a menina na rede e a embalou com cuidado.A garota adormeceu.A cordou meia hora mais tarde e voltou prá casa.Ninha,a mais moça,desceu com ela de mãos dadas e Zefa,entretida nas roupas,nem se deu conta da fuga.
Dia seguinte,á mesma hora,voltou lá.Ofereceram-lhe doce de banana em calda e pulou corda com os garotos;aquilo,sim,era diversão.!
No terceiro dia,atacou as latas de biscoito de polvilho da mãe e levou para os garotos.
No quarto dia,foi pega.O sacristão,que lavava o adro,viu quando a garota passou correndo,cabelos ao vento e,aturdido,chamou Zefa.
Esta correu lá com êle,para ter uma guarda cristã,agarrou a garota do colo de Tapuia,a mais velha,e,indignada voltou prá casa.Imediatamente,contou á mãe.A professora ficou muito irritada,chamou a garota,disse para nunca mais ir lá,pois as mulheres que moravam ali eram “perdidas”-seja lá o que isso significasse-e que ela tomaria uma surra de cipó,se lá voltasse.O pai foi chegando,soube da façanha e ajudou a mulher nas reprimendas.
-Filha,ali só vai gente ruim.Quando,Didi-o juiz da cidade-vier almoçar domingo,vai te falar o que acontece naquela rua de gente errada.Ali tem bicho papão,malfeitores que roubam criancinhas.
Indignada,pois não tinha visto nada de mais naquelas casas,a garota explodiu,bem ao jeito dela:
-Se é assim,então porque,”seo”Didi não sai de lá?Dia sim,dia não,êle vai ver Tapuia.
Apesar de hoje ser uma velha avó,aquela menina nunca tomou jeito na vida.