A prostituta que virou Cinderela
A prostituta que virou Cinderela
Nascida num beco sem pai e uma mãe que antes seria melhor não ter nenhuma, seu destino era certo, dentro de um panorama incerto. Nunca recebia carinho, e o único contato que havia recebido da mãe, eram os socos e pontapés que a mesma lhe dava ao aproximar-se, ainda que sem motivo. Não teve infância e tampouco adolescência. Era presa fácil para uma vida difícil. E desde logo soube que seu caminho seria vender o corpo, para comprar comida.
Ainda que soubesse que seu caminho seria o mesmo da mãe, decidiu que não seria como ela. Não viveria de lamentos e nem de amores de momentos. Ainda que vendesse seu corpo, compraria sua própria dignidade, que fazer isso não era para qualquer uma ou caso não fosse assim, que provasse um dia uma das tais damas da sociedade.
E como foi a primeira vez? Como tinha que ser: com um desconhecido. A única exigência que havia feito era que não a tratasse mal, que ela estava ali trabalhando para que ele pudesse seguir desfrutando. Não teve amor e nem carinho. As demais haviam contado como funcionavam as coisas: “Abre as pernas e deixa meter”. Pensou que era fácil e logo entendeu que o que não haviam contado, era que os homens que buscam as mulheres de esquina, não se importam quando ferem a vagina, só entram e querem entrar mais, porque sexo tradicional e normal, eles fazem com mulher que tem em casa.
Depois de um tempo se acostumou. Atendia quem queria e seu reino formou, com uma extensão sem fim. Falavam dela: agora era a puta calada, que fazia tudo que queria o freguês. Guardava para si as impressões que tinha, sabia que os demais a viam como uma prostituta e nada mais. Sabia que as coisas dentro dela não contavam. Acreditava que teria um futuro não tendo que mudar sua aparência, ou ocultar quem havia sido, fugindo da hipocrisia que existia na mesma sociedade a qual ela prestava seus serviços e que a condenava, mas sim um futuro em uma sociedade onde seria aceita, sem que ninguém torcesse o nariz ou lhe fizesse careta.
Um dia decidiu se divertir como a gente normal. Buscou sua melhor roupa: um vestido negro até o joelho, umas sandálias (nas quais havia investido dois clientes), recolheu o cabelo num rabo e passou pouca maquiagem, como ensinavam nas revistas de moda para jovens de sua idade. Foi até o cinema, queria ver um filme que dizia no cartaz: A prostituta que virou Cinderela.
Chegou ao cinema e até ao luxo de comprar pipoca se permitiu. Era a única testemunha de que poderia ser como os outros. Viu que por primeira vez os demais não olhavam para ela com desgosto, pois pertencia ao mesmo mundo que eles. Era normal: vestida como eles e desfrutando do mesmo que eles.
O filme em nada era real: uma prostituta que enlouquecia um milionário que logo propunha uma vida em comum e tudo. Pensou no ridículo que era e como aquelas pessoas se convenciam com o óbvio: a prostituta era uma pessoa má até conhecer o homem bom e com dinheiro, enquanto ele era nobre por encontrar amor por uma mulher tão vulgar. Era impossível num plano real que isso passasse.
Voltou para casa, ali onde era aceita tal e como era. Onde não havia a ilusão de mudar sua vida através de um homem bom e com dinheiro e mesmo que existisse, qual seria a diferença? Deixar de ser comprada por vários homens, para ser por um apenas?