QUAL A INTENÇÃO DO ESCRITOR?
Brasília-DF, 21/08/2008
O escritor não quer outra coisa senão ser igual a Deus!
E não é diferente de qualquer um que se aventura em imiscuir-se nas profundezas da alma. O que é a prosa senão palavras afiadas, regimentalmente orquestradas, para falar sobre o que não se vê comumente ou está sobrestado no subconsciente das pessoas? O que é a poesia senão a busca pelo arranjo, com ou sem artifícios métricos e rimas, das palavras, cujas metáforas e emoções que elas carregam nos dizem muito mais do que podemos perceber nos simples rabiscos das letras? A resposta é fácil: O que quer, na verdade, o escritor, pela prosa e poesia, é poder se refletir no espelho das vaidades e significações existenciais, no conflito entre o nascimento e a morte, e dizer: - eu te encontrei, oh! poder!
Aliás, cá pra nós, eu pergunto: - existe coisa nesse mundo mais interessante do que vasculhar o coração de alguém e ali, então, descobrir as paixões, medos e afetos, receios e trejeitos da alma que, normalmente, não permitimos que sejam desnudados? Pois é assim que é, toda prosa e poesia trazem em si uma escondida intenção: a de mergulhar nas profundezas do oceano que é a alma do leitor. Este, indefeso e ingênuo, afinal, é o que menos se beneficia do que lê, uma vez que é o escritor que tem o comando e a força de, pelas palavras escritas, sugar a alma inquieta do inocente leitor que, inadvertidamente, se arriscou a abrir um livro.
Se pudéssemos enxergar com uma lupa poderosa veríamos que do livro, no simples ato de virar as páginas, sobressaem, voam ... minúsculos e invisíveis corpúsculos mágicos, propositalmente enxertados pelos escritores. O pobre leitor, entretanto, após respirar esses corpúsculos deixará, imperceptivelmente, o corpo protegido por anticorpos. Mas se, teimoso, ainda assim se atrever, corajosa ou inocentemente, a tentar buscar significados no texto, ele será, inexoravelmente, arrebatado e contaminado pela magia das palavras do escritor. Este, por conseguinte, através de seus versos, adentrará pelos olhos do leitor, velozmente atravessará seu cérebro, infestará todo o seu sangue e, inelutavelmente, atingirá seu órgão vital: o coração. Aí se instalará e, por certo, nos contornos dos átrios fará seu divã de inspiração, nas paredes internas da aorta descansará, para depois, pungente, fixar-se na escrivaninha dos ventrículos para, enfim, por-se a produzir novos textos. Daí sairão novas idéias e histórias: de amores e desilusões; de esperanças e de fé; de angústias e de consolos; de crenças e medos; de trevas e de luz. Dessa magnífica criação sairão novos corpúsculos a esparramar-se, novamente, por todo o corpo, num movimento cíclico e inevitável.
Nunca mais, daí em diante, o leitor será o mesmo e esses corpúsculos por toda a vida irão nele se manifestar, desde a sua tenra existência até a maturação dos tempos. Então ele, o escritor, que através dos corpúsculos transportou sua alma e sentimento, pujantemente, poderá reinar soberano, como um deus nesse novo mundo que, pela poesia ou prosa, adentrou. Aquele instigante momento de inspiração, que veio não sei de onde, percorrendo todo esse caminho e, atraindo a vulnerável curiosidade do leitor, possibilitou a feitura de mais uma de suas moradas... e mais uma de suas vítimas!
E, como o tempo não pára, assim também continuará a contaminar outros, pois os versos são contagiosos e as pessoas não sabem mais viver sem dele experimentar o néctar vivificante. É como uma loucura irrequieta que atormenta. O mundo gira em torno dessa necessidade: ler e escrever. Assim aconteceu com todos os que se arriscaram pelo fantástico e incognoscível mundo da literatura. Assim aconteceu comigo, quando, ainda jovem, fui contaminado, pois me aventurei, perigosamente, sem saber o quanto podia ser atingido em meu coração e em minha alma, quando li Machado de Assis, José de Alencar, Fernando Pessoa e Camões. E hoje, esses caras, são deuses que habitam dentro de mim! E ainda há muitos outros que entraram e querem entrar no meu indefeso, pois carente, coração. Há espaço pra todos!