CREPÚSCULO
Ele tivera um dia particularmente difícil. No trabalho, problemas que fugiam à rotina, inesperadamente, foram-se acumulando, no correr do que poderia considerar como um dia atípico.
Por que teria aquele tradicional cliente cancelado um negócio à última hora? Não havia uma explicação plausível para tal atitude. O argumento usado pelo cliente mais parecia um pretexto e tudo se passou como se alguma coisa, fundamental à sua compreensão, não tivera sido dita.
Agora, já a caminho de casa, sem saber ao certo por que, de repente ele resolveu parar o carro e ficou ali por muito tempo, a observar o sol que, lentamente, mais uma vez se punha, no inexorável ir e vir diário. Estranho, tudo isso. Não sentia vontade de prosseguir, rumo à sua casa, onde, solitário e desolado, nem mesmo saberia o que pensar. A grande verdade é que sentia-se melhor ali, a apreciar aquele pôr do sol, mas não atinava, de jeito algum, com o motivo que o mantinha preso àquele espetáculo singular da natureza, já que nunca fora ele afeito á admiração do que de mais belo pudessem ter os fenômenos naturais. Sabia apenas que algo, como se um poderoso campo magnético, tinha a capacidade inexplicável de fazer com que não saísse daquele lugar, nem deixasse de prestar toda a atenção, de forma inusitada, àquele arrebol.
Então, à medida que, aos poucos, se desenrolava a cena crepuscular, sua mente se pôs a recapitular todo o decorrer daquele dia, passando pelos pequenos e grandes problemas atinentes aos negócios, por insignificantes incidentes ocorridos e agora tão pouco nítidos em sua lembrança, para concentrar-se, finalmente, naquilo que tentara por todo o dia esquecer, mas que não lhe saía do pensamento agora, como, sabia ele bem, não sairia por muito tempo. Recebera, no meio da manhã, aquele telefonema que, na verdade, foi o fator a desequilibrar sua meticulosa organização, tornando-o vulnerável a todos os demais acontecimentos.
Sim, tinha que aceitar como absoluta verdade aquilo que seu coração tanto queria negar, mas a mente lógica que possuía não permitia que olvidasse.
Por que teria, tão de repente, resolvido deixá-lo, a única mulher que, em toda a sua vida, ele realmente amara? Por que dissera ela que estava se afastando definitivamente dele e não quisera ter com ele, ao menos, uma última conversa ao vivo? Ah, sim, lembrava vagamente o fato de que ela argumentara, com a nítida impressão de se estar utilizando de uma evasiva, dizendo que não poderia esperar até o fim da tarde para conversar com ele, pois estaria embarcando, ás catorze horas, para uma cidade do interior de um estado do sul do país, onde tinha alguns parentes e pretendia viver doravante. Como motivo para que tomasse tal decisão, apenas disse ter chegado à conclusão de que o amor que viviam não daria mesmo certo e que, a deixar que no futuro viessem ambos a sofrer a inevitável separação, melhor seria terminar tudo agora, de maneira rápida e, segundo afirmara ela, indolor, o que, por certo, não era o que ele próprio sentia a respeito.
E foi ao chegar a esse ponto da incômoda e dolorosa retrospectiva, que percebeu ele o que, sem a menor sombra de dúvida, fizera com que tivesse sido atraído pelo lento desenrolar do pôr do sol. Por uma estranha e curiosa analogia, sua atenção se fixara naquele belo espetáculo natural porque, naquele momento, ele, em muito, assemelhava-se à sua própria situação interior, pois vivia ainda, e por longo tempo haveria de viver os efeitos do crepúsculo do grande amor que já vivera.