Conto Vermelho, de Fadas e de Terror
Era uma vez um mundo, através da televisão. Nele, inventamos a paz e a festejamos de quatro em quatro anos através do esporte: as Olimpíadas, celebrando a união dos povos.
A televisão aquece meu coração com uma contagem regressiva incansável. Lindo. Pequim 2008. William Bonner e Fátima Bernardes olham para mim sorridentes. Vai ser tudo muito lindo.
A tocha olímpica começa a girar o mundo e a festa é uma só, a não ser por alguns poucos incautos que não se deram conta de que estão em um conto de fadas. Estas pessoas lembram que a Índia grita por liberdade e que ninguém parece ouvir. De fato, o barulho da festa abafa os gritos.
Gosto muito de esportes, mas não gosto de contos de fadas escritos com vermelho-sangue em cima de contos de terror, afinal, como é que se pode estar celebrando a paz, a união dos povos e tudo mais em um país que se orgulha em executar pessoas e mandar a conta da bala para a família da vítima?
Começaram então os jogos e, então, era uma vez um mundo que também gosta de jogar. A televisão fica confusa e não sabe se vibra com as Olimpíadas ou chora pela Georgia. Ora, mas a confusão dura pouco, pois o que são pouco mais de 2.000 mortos longe dos olhos comparados à cândida imagem das atletas da ginástica olímpica?
Tenho a impressão de que em algumas celebrações, em algum momento, se esquece o que se está a celebrar. Mas o que importa gritos no escuro quando, como diria uma conhecida canção, “The Sun Always Shines On TV”?