O Porto
O corpo ainda torpe e deflorado pelos calores inexplicáveis expulsa a mulher da cama desfeita. A mesa com escaravelhos de cerâmica e estrelas do mar parecem aguardá-la. Num ímpeto quase atlético, Luiza dirige-se à escrivaninha e com as mãos ainda sobre a testa, põe-se a escrever sobre a criatura que lhe tem roubado as noites.
Ela adormece ao som da brisa que a noite traz do oceano para as janelas do quarto. Já é manhã e os primeiros pássaros anunciam o dia.
Luíza chega sempre ao Porto Caravelas bem cedo. Diariamente, inspeciona os navios que chegam ao porto da cidade. São vindos de toda parte do mundo e, logo cedo, navios trazendo artefatos industriais chegam para abastecer a indústria química da região.
Enquanto ocupa-se da xícara de café, organiza cópias de um contrato de alocação. Vai ao banheiro e detém-se alguns minutos a observar os seus lábios ainda molhados de café, que lhe imprimiam um rosa chá muito atraente.
Gosta. Penteia os cabelos com minúcia e atenção às mechas que reluzem sob a claridade do recinto.
Parece sentir-se mais atraente. Tem os lábios ainda dormentes do sono. Estão quietos e mansos.O batom carmim esconde as linhas ao redor dos lábios envelhecidos, já distantes dos 20 anos.Vai até o espelho e se olha pela última vez. Parece feliz.
Ao chegar nas imediações do Porto Caravelas, vê vários navios que aportam durante toda a manhã.
Luiza anseia ver Amarante da sacada nesta manhã e saborear ao longe a sua máscula presença ao lançar ao mar as âncoras que prendem os barcos à deriva.
Amarante é um jovem estivador e exibe a força e beleza dos seus 18 anos, degustada pela mistura de surpresa e medo, uma descoberta que beira o encanto e mistério. Seus braços e feições demonstram a destreza do estivador mais jovem do porto.
A imagem do estivador ocupado, em meio aos barcos e ao porto palpita o coração da mulher ofegante, que sorri, lépida. Ansiosamente, retira a peça de roupa que lhe esconde os seios e os desnuda, suspirando aceleradamente ao erguer o tronco e as ancas que se inflam debaixo do vestido úmido.
Ele avista o rosto satisfeito à sacada da mais alta janela do prédio e segue ao encontro matinal.
A este jovem doce e ensolarado se devem as noites infindas de Luíza, inflando-lhe o peito e o corpo de desejos e acendendo os instintos quase adormecidos do seu corpo murcho e cansado de 51 anos.
O másculo homem invade a sala e tem nas mãos as carnes voluptuosas da mulher ofegante e extasiada, abastecida pelo contato do órgão viril e intumescido. Colado à pele feminina esquecida pelo tempo, soterrada agora pela força indomável de um mar revolto, o jovem arrebata suas carnes e vísceras já oleosas pelo afago da sua pele e de sua saliva pueril.
O puro deleite dos odores cansados mistura-se aos sussurros indizíveis saídos dos lábios quase feridos, se amalgamando à pele um do outro. O instante se contagia agora pelo êxtase do corpo que se exibe farto e aceso que pulsa em movimentos majestosos, esquecidos pela solidez dos gestos, vertendo-se como lava vulcânica que emerge das profundezas dos segredos femininos mais íntimos, enclausurados ao longo dos anos nas chamas do seu peito.
As frestas das antigas janelas corroídas pela maresia trazem, assim como em todas as tardes os ventos salgados do mar, invadindo os vidros da janela e adentrando as venezianas com a fúria vinda do alto mar em dias de maré alta e distante.
Os ventos continuam atingindo a vidraça frágil da última janela do prédio, e com fúria irremediável, atinge com um enorme estilhaço antigo os músculos das costas nuas do homem em cópula, abrindo-lhe a carne em uma fenda profunda, como os desejos que tomam o seu corpo em pleno êxtase rendido pela dor e pelo sangue que escorre pela pele molhada.
O estilhaço preso à carne o arremessa ao chão, seu corpo não mais responde aos chamados da amante em agonia ao vê-lo sangrar e perder as forças do corpo, numa tentativa inútil de retirar do seu corpo o pedaço de vidro preso pela força dos ventos litorâneos.
Agora, ancorada em lembranças, o coração de Luiza está inerte. Assim como os que aguardam ao porto os que aportam e relatam partidas e histórias, Luiza abriga sua alma na proteção litorânea dos portos, ao sabor dos ventos que chegam em direções opostas, ecoando por noites intermináveis.
25 de março de2006