O APAGAR DO SOL
Chamo-me Um Brasileiro Qualquer, tenho vinte e oito anos, penso que a vida é o melhor legado que Deus me deu e que viver é isso; acordar, abrir os olhos e morrer, de tão rápida a passagem por aqui.
Hoje me rende um bom dinheiro os artigos que publico no “A Pátria”, jornal da cidade em que nasci e para onde voltei depois de rodar meio mundo. Terminados os estudos pensei que seria fácil convencer Seu Lucílio, meu pai a abrir um bar, o “Bar Da Vinci”, aproveitando a excelente localização da casa de minha família, na praça principal, à beira mar, bem ao lado do único Banco da cidade, do Jornal e da Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, aonde fui batizado. Imaginei um lugar que pudesse juntar amigos para tomar umas e arte, exporia meus trabalhos e de quem mais por lá “pintasse”.
Mas não consegui, o meu velho turrão, negou-se veementemente a apoiar minha iniciativa afirmando que; “Jamais sujaria o nome da família incentivando e abrigando viciados em álcool a perder a razão e a consciência". Eu, que a princípio tentei convencê-lo, fui aos poucos perdendo o entusiasmo inicial pela idéia e já se vão cinco anos. O capital que dispunha usei na compra de um carro que agora já está gastando mais que rendendo e fui à luta. Mas só o fato de estar em casa ao lado de meus pais, meus irmãos e dos amigos já me deixava mais feliz que quando estava em Londres, no frio, apaixonado por uma francesa que nem me olhava e ainda com a grana contada.
O Jornal foi a única opção que não me desagradou de todo, afinal formara-me em Jornalismo e Letras, preferia pintar mas, escrever “Horóscopo” foi minha primeira função, nada fácil por sinal, quase desisto, passados dois meses fui transferido para a Página Policial, pensei: “É castigo!” acreditava que o redator-chefe não ia com a minha cara. Qual nada! Aí então é que fui descoberto, o S. Estevão, o redator, gostou tanto de minha escrita que, com um largo sorriso, deu-me uma coluna com meia página de Atualidades, exultante, tornei-me o mais jovem colunista da cidade, enchendo de orgulho S. Lucílio e D. Joana, meus pais.
O pôr do sol à beira-mar é um espetáculo corriqueiro para os moradores do lugar, mas na redação, a janela que aponta para o rio na hora que Deus manda a natureza dormir, fica à minha direita e é lá que, todos os dias, admirava a beleza do céu escurecer. Meus pais, acostumados a tranqüilidade do lugar, todas as tardes sentavam-se à varanda, “boatardeando” com os vizinhos e apreciando o movimento na praça.
Dezesseis horas, ouço gritos, uma explosão, tiros e da janela vejo cinco homens em cima de uma D-20 atirando em direção ao Banco, desço as escadas correndo, olho para minha casa e vejo S. Lucílio, meu pai, caído na calçada sangrando, aproximo-me e encontro D. Joana, minha mãe, estática com uma perfuração entre os olhos. Os gritos de meu irmão caçula trazem-me de volta à realidade e após constatar o falecimento das duas pessoas mais importantes de minha vida, enlouquecido, entro no carro e vou atrás do bando que acabara de assaltar o Banco e de matar oito pessoas na cidade em pânico.
Nada vejo, as lágrimas brotam em meus olhos como rios no nada. Nada penso, já que os pensamentos desordenados não me encontram. A cento e quarenta por hora sequer lembro os pneus que, carecas, podem me dar problemas. O carro capota uma, duas, três vezes e tudo escurece como um pôr de sol ao entardecer. Acordo no Hospital quero levantar-me não consigo, dias depois fico sabendo que também estou paraplégico além de órfão.
Voltei a escrever no Jornal e não olho mais as tardes, quando escurece acendo em minha vida a esperança de rever meus pais felizes, abraçados à minha espera em algum lugar tranqüilo, seguro e bom para se morrer, quem sabe com mais de um sol.