Faltou Visão
- Tá pensando em quê?
- ... Em nada.
- Impossível pensar em nada. Sempre tem algo.
- Já disse, não é nada.
- O que, vai me dizer que tá com a cabeçinha vazia agora?
- É... isso mesmo.
- E espera que eu acredite?
- Você que sabe.
- Não precisa esconder... você quer me perguntar alguma coisa?
- Do que você está falando?
- Mesmo quando pensamos em nada, estamos pensando em alguma coisa.
- Tá bom...
- É sério!
- Já disse que "tá bom"...
- Você não acredita, né?
- Só quero ficar quieto.
- Quieto e pensando em nada?
- É, isso.
- Pra alguma coisa que não é nada, você até que está bastante preocupado.
- Entende de uma vez: não é que eu queira pensar “em” nada. Só quero ficar sem nada pra pensar!
- E você ainda diz que não é nada. É comigo?
- O que?
- Esse monte de besteira que você falou agora. O problema sou eu?
- Me deixa...
- Ah... tava demorando... começou com “não é nada” e, devagarzinho, foi mostrando as garras, né?
- Do que você está falando?
- Não precisava se esforçar tanto... vou embora.
- Eu não...
- Relaxa, não é a primeira vez.
- Mas o que...
- Homem de boteco dá nisso, mesmo! Eu é que sou burra!
- Você nem...
- Vem com esse papo de bebidinha, torce pra quem... fez aposta com a turma pra ver quem pegava a vesguinha, né???
- ... você é vesga?
- Esquece, seu babaca! Da próxima vez, finge que nem me viu!
- Espera...
- Ah! E avisa aos seus amigos de merda que você conseguiu! Parabéns, trouxa!
- Eu não...
- Fui!
Ainda se esforçou pra mostrar algo a ela, mas a porta do quarto já estourava a raiva dos músculos femininos. Burro. Se soubesse, teria falado antes. Devolveu o olho de vidro para dentro do buraco que comia o rosto e começou a se sentir um lixo.
Um nada.