O FUNERAL DE JULIÃO BATISTA

O silencio lúgubre habitava a capela mortuária de São Francisco, naquela tarde de fins de agosto. Um ou outro fungar da viúva, dona Tereza é que volta e meia era ouvida pelos que acompanhavam a cerimônia funesta.

Dona Tereza olhava triste para a figura descorada e apática de seu falecido marido que jazia dentro da urna feita em mogno.

-Pobre Julião! – choramingava quase que todo o tempo, enquanto enxugava com um lenço oferecido por seu compadre as lagrimas que rolavam por seu rosto já sulcado por rugas.

-Conforme-se, comadre, a morte é o destino certo para todos nós, uns vão mais cedo, outros mais tarde, mas todos vão. - confortava seu Osório amigo de longa data do casal.

-Eu sei que um dia todos esticarão as canelas compadre, mas meu Julião estava tão bem de saúde. – Dizia chorosa. – E agora como eu vou ficar? Estou sozinha neste mundo de meu Deus. Já que Julião e eu não tivemos filhos.

-A comadre tem a mim. Eu sempre estarei por perto, pode acreditar.

-Mesmo assim a solidão me acompanhara pelas noites adentro, a cama de casal vazia, o lugar na mesa ficara sempre faltando. O senhor sabe o maridão que o Julião era. Nunca deixou nada faltar.

-Ele viajava bastante comadre. – interrompeu seu Osório.

-Mas sempre voltava em dois ou três dias. –respondeu. – Há compadre eu prefiro que a morte me sirva de consolo também a ter que me confinar naquela casa sozinha pelos anos que virão.

-Não pense assim comadre. Eu também fiquei deprimido quando minha finada esposa Marieta se foi. No inicio é difícil, mas depois agente se conforma. O tempo ajuda a cicatrizar as feridas deixadas pela perda.

-Há compadre agora eu entendo a sua dor. – admitiu.

-É assim mesmo. Eu agora estou recuperado. Penso na Marieta mas não com a mesma constância.

-Foram quarenta anos de convivência...

Dona Tereza chorava baixinho, enquanto se Osório a consolava firme. De repente entra no recinto uma mulher ainda jovem aparentando pouco mais que trinta anos. Esta trajava luto e trazia pelas mãos duas crianças, que deviam ter entre oito e dez anos de idade. A mulher debruçou-se sobre a mortalha e chorava copiosamente deixando a todos os demais presentes boquiabertos perante seu espetáculo.

-Julião, como pudesse partir e me deixar sozinha com teus filhos nesse mundo? Meu amor não me deixe. – dizia enquanto se abraçava ao morto.

-Quem é esta compadre? – indagou dona Tereza engolindo o choro.

Osório por sua vez deu de ombros e a mulher continuava.

-Olhe seus filhos, Juca e Josefa. Olhe para eles. O que será de nós sem ti meu amor.

E virando-se para as crianças disse:

-Despeçam-se do papai meus filhos.

_compadre faça-a parar com este circo quem esta mulher pensa que é? E que filhos são esses? Meu Deus isto é um terrível pesadelo! – lamentava dona Tereza.

Seu Osório dirigiu-se até a mulher e disse:

-Senhora, por favor, Pare com esse espetáculo. Apiede-se da dor da viúva de Julião.

-Viúva? Que viúva? A viúva de Julião sou eu e estes são nossos filhos, Juca e Josefa.

-Estou certo que aqui deva estar havendo um grande equivoco. – disse seu Osório tentando escolher melhor as palavras. - Aquela. – disse apontando para dona Tereza. - É a verdadeira viúva de Julião. Se alguém lhe pagou para envergonhar a memória de meu amigo e compadre, peço que diga quanto que eu lhe pagarei mais para que vá embora.

-Pagar? Como assim me pagar? – berrou a mulher totalmente descontrolada.

-Fale baixo, por favor, senhora. - pedia seu Osório.

_ Este homem que jaz nesta mortalha é meu querido esposo Julião Batista. – discursou a mulher em alto e bom tom.

-Ohhhhhhh!!!! – exclamação foi geral.

-Senhora! Por favor! – pedia seu Osório em vão.

Foi quando uma segunda mulher, não menos espetaculosa que a primeira, trazendo três crianças menores de doze anos consigo, aproximou-se de onde se encontrava o corpo estendido sobre a urna e chorando bramiu:

-Querido! Que fizeram contigo amor da minha vida! Como a morte pode esfriar este corpo que sempre tão quente me enchia de amor.

-Meu Deus! – Dona Tereza desmaiou. Sendo socorrida por se Osório.

-Olhe para seus três filhos. Terezinha, Julião e José. O que será de nós sem ti meu amor?

Dona Tereza que recuperava os sentidos bramiu entre os dentes:

-Compadre se este cachorro do Julião teve a coragem de ter me traído com essas mulheres esparafatosas e ainda por cima ter tido filhos com elas e para piorar deu meu nome á uma das filhas eu juro que se não estivesse tão morto eu mesma o mataria com minhas próprias mãos.

-Calma comadre deve estar havendo um engano.

-Seriam dois enganos compadre. - corrigiu dona Tereza com fúria.

A primeira mulher aproximou-se da segunda e disse:

-Quem é você?

-Eu sou a viúva e esses são nossos filhos. E você quem é?

-Eu sou também a viúva e estes são nossos dois filhos. - respondeu.

Ambas olharam para dona Tereza que se aproximou lentamente da mortalha do finado marido e esbofeteou a face do defunto e cuspiu sobre ele.

As duas mulheres se entreolharam e perguntaram:

-Quem é essa louca?

-A primeira viúva, porém graças a Deus sem filhos com este traste.

Ao dizer isso, deu o braço ao Seu Osório e disse:

-Vamos compadre. Para mim Julião já está morto e enterrado.

As duas mulheres tomaram a mão de seus respectivos filhos repetiram o gesto de dona Tereza esbofeteando o defunto e a seguir saíram.

Os coveiros enterraram o corpo de Julião Batista.

-Já visse disse Bento o homem tinha três viúva e nenhuma quis enterrar o pobre.

-É sobrou pra nós.

-Vamo reza pra que a alma dele descanse em paz.

Os coveiros fizeram uma breve oração e cobriram o caixão com o corpo de Julião Batista entregando-o para terra.

FIM!

Autora: Patrícia Mackowiecky Carpes.