A VILA

A Vila

Como era boa a vida naquela vila de casinhas simples e pequenas, de vizinhança amena e amiga onde todos se conheciam e trocavam gentilezas.

A mãe da Belinha, por exemplo era muito amiga da minha mãe e eu da Belinha. Não nos largávamos pra nada. Sempre que a mãe da Belinha fazia um bolo ou uma comida diferente, ela levava uma poção lá pra casa e a minha mãe repetia o gesto da boa vizinha.

Sinto falta daquela gostosa rotina daquele cotidiano simples e divertido que agente vivia na vila.

Todas as manhãs a Belinha ia até a nossa casa para me chamar para ir para a escola. Era sagrado. Eu escutava a voz melodiosa dela e corria para não me atrasar. Assunto não nos havia de faltar e tagarelando sem parar agente chegava na escola que ficava perto da vila e dava para ir a pé.

Numa dessas manhãs, era no mês de Julho, inverno lascado, fazia frio pra burro, dava uma preguiça boa e a vontade era de gazear a aula e ficar dormindo até mais tarde enleado nos cobertores, mas quem disse que a Belinha deixava. Cedinho ela batia na porta do meu quarto pra me chamar.

Nesta mesma manhã havia uma neblina densa e não se enxergava quase nada. Parecia até que o mundo ia desaparecer naquela branquidão toda.

_isso é só neblina. – explicou o Juca um cara que era bem informado, letrado e sabia de tudo um pouco.

Chegando à escola, tava rolando o bafafá:

-morreu o seu Oscar. – contou a Soninha.

-Então vamo lá pra ver o corpo. – disse eu.

-Vamo. – concordou a Belinha.

-E a aula? – indagou Soninha.

-A gente gazeia. Só hoje. – respondi.

Seu Oscar morava numa casa que beirava o cemitério, onde ele trabalhava como coveiro. Chegando lá havia apenas uma ou duas pessoas velando o corpo do velho coveiro.

Eu e Belinha chegamos bem na beirada da mortalha e ali jazia o corpo inerte e sem uma gota de cor, dando o aspecto de um boneco de cera.

Permanecemos ali ao lado do corpo até que este seguiu para a sepultura. Depois fomos para casa. Naquela noite não dormimos o medo era tanto que eu fiquei o tempo todo com a cabeça coberta temendo ver o fantasma do seu Oscar. A Belinha me contou que com ela aconteceu o mesmo. Isso se seguiu por várias noites seguidas. O medo faz coisa!

Logo, porém, deixamos este assunto de lado e paramos de nos preocupara com o fantasma do seu Oscar. Outra história surgira para substituir essa.

Foi o fim do casamento do seu Pinduca e da dona Conceição. A coitada chorava rios de lágrima na sala lá de casa e eu e a Belinha aproveitávamos para comer os bolinhos de chuva que a mãe preparava por conta de servir a coitada da dona Conceição que choramingava e comia. Quando não era lá em casa era na casa da belinha. O que para a mulher era um pesar para nós era motivo de comilança.

Passado este assunto surgia outro e outro, e assim a vida ia passando na vila e a gente ia crescendo.

As brincadeiras porem eram sempre as mesmas. Depois da escola a turma se reunia e folia tomava conta da vila. Diversas eram as brincadeiras. Pega-pega, bate-lata, esconde-esconde, amarelinha, pula corda e elástico.

Em dias de vento a gente soltava pipa de cima da laje do seu Tadeu. Era uma pandorgailhada no céu que era bonito de se vê. Ficava tudo colorido. E nós mesmos é quem confeccionava as pipas, fazia as rabiolas e até disputava quem fazia a maior rabiola, qual a pipa que permanecia mais tempo no céu e ai por diante.

Como sinto saudades daquelas inesquecíveis tardes ao lado dos meus amigos lá da vila.

Até que um dia a gente já não era mais criança eu e a Belinha havíamos crescido virado adolescentes. E tudo ficou um pouco diferente.

Ela começou a ficar mais bonita, cresceu até seios, a voz ficou ainda mais doce. E eu numa noite de lua cheia quando a gente assistia a dança do boi-de-mamão, toquei de leve em seus lábios com os meus. Num beijo doce e inocente que dilacera o coração da gente e dura para sempre na memória. De inicio a Belinha ficou tímida mais daí ela foi afrouxando e eu que tava ficando com os braços fortes e a voz grave fui sussurrando um monte de palavras bonitas no ouvido dela.

O namoro durou pouco, a vila precisou ser demolida por conta da estrada nova que ia sair naquele trecho.

A vila, eu e Belinha ficamos para o passado, mas na memória viva de nossa existência nunca se esquecerá.

FIM!