Solidão

Era uma bela tarde de sábado, o sol brilhava intensamente e podia se ouvir o canto dos pássaros que entoavam uma sinfonia muito bela, anunciando que a primavera estaria por vir.

Enquanto isso Rafael observava atentamente e maravilhava-se com a melodia cantada pelos pássaros, talvez muitos nem notassem, mas era impossível passar despercebido aos ouvidos de músico de Rafael e ali da frente de sua janela no 6° andar de um condomínio que ficava em frente a uma praça muito arborizada Rafael começa a reger os pássaros que continuavam a cantar alegremente parecendo obedecer aos comandos do regente , como se fossem realmente uma orquestra.

Foram minutos mágicos, mas infelizmente os pássaros foram embora, assustados pela barulheira dos carros que passavam pela rua, por alguns segundos Rafael sentiu-se triste, mas logo a tristeza passou e deu lugar a uma súbita alegria ao lembrar do momento mágico que acabara de vivenciar.

Mesmo assim Rafael sentia-se só e varias vezes se perdia em pensamentos, imaginando como seria seu futuro: “Será que um dia encontrarei alguém?” “Será que viverei sozinho até minha velhice?”

Mas logo Rafael voltava a si e conformava-se, pois não sabemos o que o futuro nos reserva, mesmo sabendo disso a solidão foi lhe tomando aos poucos e invadindo o seu coração, pensou em ligar pra algum amigo e conversar, ou quem sabe, até fazer um convite para um passeio, cinema, ou o que quer que fosse, o que realmente lhe importava era ter uma companhia, pegou o telefone e pensou: “Pra quem ligarei?”.

Pensou em um ou outro amigo e acabou decidindo não ligar pondo o telefone de volta ao gancho imaginado que iria incomodar, afinal à tarde já ia dando lugar à noite e não queria ser incoveniente com seus amigos, que provavelmente estariam se preparando para sair com suas respectivas namoradas.

Rafael já estava à beira da loucura de tanta solidão, então pegou suas chaves e resolveu sair, tomou o elevador e para sua surpresa estava completamente vazio (fato raro de se acontecer em um sábado à tarde), mas tudo bem, chegando ao térreo dirigiu-se ao seu carro e quando estava prestes a abrir a porta, hesitou, tomou o elevador de volta (novamente vazio), rumo ao seu apartamento, entrando novamente em casa contemplou o vazio e o silencio que o cercava, sem saber ao certo por que tomara tal decisão, apenas agira por impulso.

Seguiu em direção ao seu quarto e pôs-se a chorar, chorava descompassadamente como uma criança obrigada a deixar sua mãe em seu primeiro dia de aula e ali permaneceu por horas, até que tomou coragem e levantou-se, dirigiu-se em direção a sua janela novamente e ficou ali, parado, atônito a observar a movimentação dos carros e das pessoas na rua, imaginando como seriam suas vidas, se eram felizes, solitários, se tinham problemas pessoais... Enfim, até que lhe veio à mente ligar a tv, quem sabe não estaria passando algo de interessante?

Pensou em assistir a algum filme ou documentário, mudava de canal constantemente, mas nada lhe prendia a atenção, parecia que realmente não era o seu dia, ou que o universo inteiro conspirava contra ele, logo Rafael desliga a tv, a vida parecia não lhe fazer mais sentido, afinal de contas, de que lhe valia ter um belo apartamento, um bom carro e tantos outros bens materiais, se não era feliz?

Em meio a toda essa solidão Rafael lembrou do seu companheiro inseparável e de todas as horas, principalmente nos momentos de solidão que lhe eram constantes, abriu seu guarda-roupa e lá estava Giuseppe (nome dado ao seu violino), um belo Stradivarius que tinha herdado de seu pai que também era músico. Giuseppe parecia sorrir radiante para Rafael, como se eles se completassem, era como se fossem um só, unidos por um sentimento inexplicável.

Rafael pegou Giuseppe com bastante carinho, como se fosse um filho levou-o em direção ao seu ombro esquerdo encaixando-o perfeitamente como que se montasse um quebra cabeças, agora eles eram um só, com a mão direita Rafael pegou seu arco e começou a ensaiar as primeiras notas que soavam tão tristes quanto ele, Rafael parecia ter entrando em um transe profundo, tocava freneticamente e a cada minuto que se passava às melodias iam ficando mais sombrias e densas que se fossem transpostas para uma partitura seriam escritas com lágrimas de sangue ao invés de notas musicais e assim a música ecoava por todo o prédio seguindo noite adentro, como se fosse um prelúdio anunciando que algo de mal estaria por vir.

A exaustão já tomava conta do corpo de Rafael fazendo-o voltar à tona saindo do transe, ainda meio confuso, sem saber o que tinha acontecido, pelo menos agora sabia que não estava só, após perceber que segurava Giuseppe, só não lembrava de ter pego seu fiel companheiro, apenas sabia que teria estado em boa companhia, olhou para o relógio e espantou-se, já passavam das 5 da manhã e ali permanecia ainda sozinho (com exceção de Giuseppe), mergulhado em todo o seu sofrimento que parecia não ter fim.

Rafael começou a refletir sobre sua vida e não conseguia entender o porquê de tanto sofrimento, pois sempre foi uma boa pessoa, incapaz de fazer mal a alguém, por mais que se esforçasse não conseguia e isso ia o abatendo cada vez mais, nada mais fazia sentido, nem mesmo o canto dos pássaros lhe traziam algum momento de alegria, mesmo que passageiro como outrora, era como se tudo a sua volta tivesse perdido o encanto, o brilho, a inocência.

Sua tristeza ia se agravando gradativamente a ponto de sentir um enorme repudio de si mesmo, sentia-se envergonhado de sua existência, simplesmente não agüentava mais esse martírio e assim como uma tempestade sua mente era invadida de “n” perguntas, tinha que dar um fim a tudo isso, “Mas como?” “O que faria?” “Suicídio?”

“Teria coragem para tal?” “Será que acabaria com meu sofrimento?”

Então com os olhos cheios de lágrimas Rafael olhou para Giuseppe, que parecia entendê-lo perfeitamente, pegou-o em seu colo e o acariciou delicadamente, fazendo com que a solidão fosse tomada por uma enorme alegria, Rafael sentiu-se amado pela primeira vez em toda sua vida, era uma sensação maravilhosa jamais sentida antes e com todo o fervor daquela situação o pobre coração de Rafael não resistiu a tanta emoção e o rapaz desfaleceu ali junto a Giuseppe, que foi o único que soube entende-lo e ama-lo, assim Rafael teve a certeza de que eram um só realmente, certeza essa que podia se ver estampada no semblante de Rafael e Giuseppe que sorriam fraternalmente.

Marcio Oliveira
Enviado por Marcio Oliveira em 29/07/2008
Código do texto: T1102182
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