Coração bandido

Giselda entrou dengosa pela porta vermelha do boteco do Juarez: Hora errada, não vem aqui encher meu saco num momento deste, não vê como ta bombando de gente isso aqui? Mas Giselda aprendeu a conquistar o lado manso do Jura e foi chegando devagar como uma gata manhosa, queria ficar ali no burburinho para fisgar uma emoçãozinha mais forte. E foi ficando.

O boteco estava lotado como nunca, tinha acabado uma partida final do campeonato de várzea da zona norte e os atletas se concentravam no Jura onde a cerveja era gelada e não custava mais caro que o sanduba de mortadela com queijo.

Giselda ignorou a clientela e se embrenhou no meio da turma. Trabalhar, nem pensar: eu vim ao mundo à passeio. Ajeitou seu cabelo lisinho, certificou-se de que o vestido estava alinhado, e apoiou-se no balcão pelo lado de fora, e retocou o batom vermelho. Estava ela no canto bem pertinho do centroavante adversário, que tomava uma cervejinha, e que lhe aguçou pensamentos libidinosos: Atleta de olhos claros e de corpo suado é tudo de bom!. E ela foi então resvalando vagarosamente seu corpinho mignon no sujeito, como quem não quer nada. Ele foi gostando da brincadeira, e até provocava alguns outros esbarrões, e também fingia não querer nada.

Juarez estava ocupadíssimo, parecia enlouquecido, corria de um lado para outro atendendo os pedidos dos clientes que levantavam a mão: Traz mais um. Traz, mais uma. Nesse momento o centroavante bateu no balcão e apontou para Jura: faz uma porção de fritas e traz mais um copo. A moça se sentiu lisonjeada e trocou olhar significativo com o rapaz. O goleiro adversário que conhecia Juarez há muitos anos, viu a cena e não aprovou. Levantou-se de onde estava e foi até balcão: Meu, o Jura não vai gostar nada disso. Essa aí é mulher dele. Não dá corda pra essa mina senão a coisa não vai acabar bem por aqui.

De nada adiantou pois ele continuou a se engraçar com ela: ninguém segura essa fera! E ela sorriu lânguida para ele.

O atacante do time local conhecia Giselda desde o tempo da escola e tinha uma quedinha pela moça desde a adolescência, mas ela tinha coração bandido e gostava de muitos ao mesmo tempo, então ele largou mão. Foi aí que apareceu o Juarez, dono de um boteco, já estabelecido na vida, e atraiu Giselda. Acabaram casando e o atacante foi até padrinho, por ironia do destino. Agora ele estava lá no fundo do boteco vendo que senhora Juarez dava em cima do centroavante adversário, descaradamente. Então se remoia de inveja do sortudo.

Juarez chegou nesse exato momento e viu o atacante cochichando no ouvido de sua esposa: Caramba, meu! O que é que está rolando aqui, hein? Não esperava isso de você, meu irmão!

O atacante local tentou se explicar mas desistiu pois só iria piorar as coisas e ainda colocaria Giselda em confronto com o marido, então aceitou a bronca e saiu do bar de cabeça baixa. Os clientes já bêbados tomaram as dores de Juarez e cada uma à sua maneira xingava o rapaz com palavrões de baixo calão. Saiu rapidamente sem nada falar, confuso e amedrontado. Saiu se remoendo de inveja de quem ficou.

Foi então que Juarez pegou a mulher pelo braço, abrutalhadamente, e a levou para o lado de dentro do balcão onde supostamente estaria à salvo dos galanteios masculinos. O centroavante fez cara de quem não gostou do gesto bruto.Giselda sorriu.

O goleiro adversário aproximou-se de novo e pegou o amigo pelo braço: companheiro, aproveita pra se mandar senão a coisa vai sobrar pra você. Mas o nosso “don Juan” esquivou-se das mãos do amigo: fica na sua, cara. E olhou para Giselda que o encarava encantada. Ela então levantou o copo para mostrar que estava vazio, e ele tratou logo de enche-lo.

E a situação se complicou quando a porção de fritas chegou ao balcão. Giselda que não se preocupava nem um pouco com o que pensavam dela, ia se servindo dos longos palitos de batata, deixava uma ponta para fora da boca e a oferecia ao centroavante para que ele abocanhasse. O homem hesitou algumas vezes e conseguiu não aceitar temendo confusão com o marido dela. Até que ela, ousadamente, subiu num engradado de cerveja, e com a batata palito na boca encostou-se no centroavante a ponto dele sentir o cheiro da batata e o calor dela. Não sabia ao certo se o calor vinha da boca da moça ou da fritura. Os peitos dela pareciam querer saltar do decote laranja do vestidinho. Olhos nos olhos e ele a abocanhou devagar.

Todos viram, até o Juarez, que correu desembestado até o onde estava o garanhão e socou-lhe a cara com raiva. Giselda não queria: pára, seu brutamontes! Mas a confusão estava formada, e o ajudante de cozinha se apresentou em defesa do proprietário: não põe a mão nele seu perna de pau! E a clientela toda saiu em defesa do Jura.. A turma toda era uma briga só.

Giselda, a adúltera, procurou sair de fininho, às escondidas, antes que apanhasse também. Foi correndo para casa no seu saltinho agulha, e de lá chamou a polícia. Nisso, soou a campainha de sua casa e lá estava o atacante suado, sem camisa: não avisei que podia acabar em confusão aquela sua pouca vergonha? E ela olhou para o rapaz languidamente, daquele jeitinho irresistível : "Eu guardei uma batatinha para você também, seu ciumento. Entra, aquela confusão lá vai demorar pelo menos duas horas..."