Os sons da noite
Até quando se faz economia, a poesia está presente.
Estranho? Desconexo? Não!
Como vamos dormir? meu filho perguntou horrorizado.
Acabamos de comunicar às crianças que decidimos desligar
o ar condicionado para reduzir a conta de energia elétrica.
Nessa primeira noite de nossa aventura para cortar despesas, a temperatura está marcando apenas 30 graus. Não vamos sofrer muito, mas meu filhos resmungam de qualquer jeito.
A medida que vamos abrindo as janelas, uma a uma, os gemidos da noite penetram a casa.
-Está quente demais para dormir, resmunga minha filha de 10
anos.
-Acho que vou morrer de calor---grita o irmão na outra ponta do corredor.
-Vamos tentar por uma noite, digo a eles.
Na verdade estou cansada demais para discutir. Sinto-me exausta. Meu rosto está suado, mas eu me deito e fico quieta, escutando o coro dos grilos lá fora, me fazendo lembrar da infância. Faz tempo que não ouço os ruidos da noite.
Penso em minha mãe e nos verões quentes da minha infância. Uma volta à casa dela.
Levo o travesseiro para os pés da cama de mamãe e volto o rosto para a janela. Ela percebe que estou agitada.
-Se você ficar atenta à brisa--diz ela-- vai se sentir fresquinha e cair no sono.
Ela ergue as venezianas. Observo as cortinas brancas transparentes, torcendo para que começem a esvoaçar. E alí quieta
começo a prestar atenção na vida que há além da janela. O coro dos insetos, os vizinhos sentados fora de casa, suas palavras me chegam abafadas, reconfortantes.
-Continue atenta à brisa---diz mamãe com suavidade. E eu faço hum hum em resposta. Sinto o cheiro da grama cortada.. Dere-
pente ouço um ruído que não conheço---talvez o galho de uma árvore roçando na telha. Com os olhos fechando de sono, olho a cortina.
Está esvoaçando.
-Mãe, você ouviu isso?---pergunta minha filha.--Acho que é uma coruja.
-É provável---respondo. Continue prestando atenção.
Sem o barulho do ar condicionado, a casa está estranhamente silenciosa, e s sons da noite parecem tão próximos que é como se pudessemos tocá-los.
Esperamos ainda estarmos acordados hoje à noite quando soprar a primeira brisa.