Fim da linha
Olhou para o relógio naquela manhã e conferiu: eram 5:30h e o sol fazia o seu espetáculo matinal. Não sabia porque ainda se preocupava com o tempo. Já não fazia diferença. Mas de quê haveria de se ocupar? Não tinha paciência para jogos. Assistir tv, desistiu por ver inutilidade em tudo. Ler, não chegava nada que lhe animasse...
Sentado no banquinho de todos os dias, ouvia o canto do bem-te-vi também de todos os dias e vivia das lembranças de outros dias... esses dias... ficavam cada vez mais para trás.
(Vida! Trabalhei, projetei, construí, trabalhei, tive filhos, criei filhos, trabalhei, trabalhei, trabalhei... e agora? Vida?)
Era o dia de seu aniversário. Fazia 92 anos. Lembrou da caixa de fósforos que um dia achara no pátio e pensou em comprar um bolinho na cantina e à noitinha acender um daqueles palitos e cantar "parabéns pra você..." Ninguém ia notar mesmo. A não ser pelo brilho do fogo e achassem que um velho maluco estava querendo incendiar o asilo.
(Asilo... lugar onde depositam velhos que insistem em não morrer... é como chegar ao fim da linha e se perguntar: onde estão todos? Quando voltariam? Voltariam para me ver? Uma espera que desespera.)
Não se lembrava qual foi a última vez que falou com alguém. Não que estivesse sozinho, muito menos que alguma doença o impedisse de falar. Não era isso. Mas que fizera do silêncio a sua companhia e das lembranças o seu passatempo. Passava as horas relembrando, e por que não, revivendo os momentos felizes da sua vida. Via-se no aconchego do seu lar, nos melhores de seus dias e sentia um aperto por dentro... uma saudade... do seu cantinho...
(Talvez lembrassem do aniversário. Trouxessem um presente... uma camisa, um par de meias... um pijama. Droga! Queria ou não queria que lembrassem? No fundo, queria, sim. Mas, quem lembraria? Aquela velharia alienada que vivia ali não lembrava nem da última vez que tinha respirado. Os filhos... será que lembrariam... será que lembram... de mim?)
Toca um sinal bem conhecido... hora do almoço...
Os pássaros, o céu, o vento, imperturbáveis. Mais um dia que passa.
Entardece, escurece... hora de se recolher...
Decidiu não comprar o bolinho para não ter que falar com o velho da cantina. E também porque era mesmo uma idéia meio doida acender fogo dentro do asilo.
Deitou... e enquanto o sono não vinha pensava e pensava...
(Será que até a morte me esqueceu?)