Tarde de domingo


* Thenio Francisco Clamer Fonseca
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O domingo estava terminando, era outono, e a luz amarelada do sol, já querendo se esconder por trás das árvores dava à tarde um certo ar de melancolia, de que gostava muito. Tinha sido um bom domingo, não perfeito, mas muito bom.

Tinha deixado a mulher e as crianças na casa da sogra, logo depois do almoço e voltado para casa, com a desculpa de preparar uma reunião para segunda de manhã. Não disse a verdade, é claro, pois o que ele queria mesmo era ver o futebol, pela televisão.

O jogo foi ótimo, e ele estava mais alegre que o seu normal. Seu time ganhou, tinha tomado uma latinha de cerveja e estava dirigindo, coisa que o agradava muito. O trânsito estava calmo, fazendo com que ele ficasse ainda mais relaxado. Como dizia a sua filha mais velha: "Ele estava zen!" Sem se dar conta, começou a pensar na vida, na sua vida.

Ele ainda gostava da Bia. Não era mais aquela paixão avassaladora, mas gostava bastante dela. quer dizer, não sabia bem. Não era mais aquela coisa, marido e mulher. Realmente, não sabia bem o que sentia, mas gostava. Tinha respeito por ela. Gostava da fragilidade que ela aparentava, mas que era só um "casca" de proteção.

Iam fazer quinze anos de casamento. A sogra estava exigindo uma festança, mas ele não se sentia à vontade para comemorar. Eles não eram felizes, mas também não eram infelizes. Estavam acostumados um com o outro. Já tinha conversado com a Bia sobre isso, mas ela jurou que era muito feliz com ele. Mas, se era feliz, por que reclamava tanto dele? Fizesse o que fizesse, ela nunca achava o bastante.

Ele estava tentando de novo. Vinha fazendo a parte dele. Sexta-feira havia chegado com um buquê de rosas vermelhas. A florista tinha dito que rosas representavam a paixão. Ele queria se apaixonar por ela de novo, só que parecia que ela não queria. Mesmo assim continuaria tentando.

O silêncio dentro do carro começou a incomodá-lo. Resolveu ligar o rádio, e ver se conseguia pensar em outra coisa. Por que será que Bia não estava mais interessada em ser feliz? Começou a tocar Chega de Saudade. Ele se emocionou. Lembrou de quando eram recém-casados. Iam a um barzinho que tinha "karaokê". Cantavam essa música, várias vezes na noite. Até a platéia vaiá-los. Riam muito.

No sinal um rapazinho veio lhe oferecer botões de rosa. comprou um vermelho, é claro. Chegou desceu, com a rosa na mão, e a música na cabeça. Ele ia conquistá-la de novo, disso não tinha dúvida. Tocou a campainha, e ficou torcendo que fosse a Bia quem viesse atender. Abriram a porta ela e a mãe. Nesse momento ele apoiou-se num joelho, abriu um braço, esticou o outro, com o botão de rosa na mão, e cantou bem alto o último verso da canção:

- "Não quero mais esse negócio de você longe de mim..."
Bia parou ficou olhando para ele por alguns segundos, virou para a mãe e disse:
- Viu mãe? Agora deu pra beber, também! Não faz nada direito.

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* Thenio Francisco Clamer Fonseca, de Canoas, no Rio Grande do Sul, já participou de vários concursos literários. Foi classicado no 2º Premio Habitasul de Revelação Literária na Feira do Livro de orto Alegre. Com 48 anos, fez da leitura seu maior "hobby". Tem, também trabalhos publicados no Jornalizinho, veículo de divulgação interna da Associação dos Funcionários do BDRE, empresa onde trabalha como programador de computador.
José Luís de Freitas
Enviado por José Luís de Freitas em 21/07/2008
Reeditado em 06/08/2008
Código do texto: T1090558
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