Bandeirolas para o General
Acompanhei a viagem do general Olívio até as terras das altas fronteiras da Amazônia brasileira com os demais países. Estava velho, saudosismo aguçado, memória cheia de lembranças pesadas – não todas – mas tantas delas, sim.
O exército assume uma responsabilidade imensa para com nossa pátria. É antena de nossa soberania e força de nossa defesa. Não deve errar jamais. Interesses econômicos e políticos não podem seduzir a tropa. Devemos estar acima deles e ostensivamente vigilantes.
Quando o búfalo desceu do céu para pousar em nossa última parada antes do retorno para o Rio de Janeiro, fomos recebidos por uma companhia de selva perfilada e carregando consigo animais selvagens já domados. Um espetáculo multicolorido, além de belo. Senti-me, ao lado do general, ainda mais brasileiro, com o exalar do cheiro cívico naquela fronteira.
Enfrentei momentos difíceis. Hoje, sem qualquer espaço para acontecer novamente. Os tempos mudaram, o mundo mudou, os exércitos se renovaram e eu continuo amando este país como antes. É, para mim, solo sagrado. Nada me é tão importante.
Não imagino que um velho general de reserva, beirando seus oitenta anos, presenteado com uma viagem tão cansativa, pudesse emocionar-se tanto.
Olhava-o com interesse em captar assunto para a matéria jornalística que faria com os acontecimentos da viagem. Meu olhar era perscrutador aos extremos.
Um homem alto, esbelto, manso de fala. Parecia-me um perfeccionista ou absolutamente obediente às regras sociais.
Despedia-se do batalhão de selva. Um sol imenso alaranjado, nem tão quente, nem tão frio, beijava a copa da mata altiva. Ouvi ao longe, no amplo pátio de terra batida do quartel, pisadas macias de uma passeata que se aproximava de nós. Pus um novo filme na máquina. Olhei-o novamente e ele tinha no rosto um discreto sorriso de satisfação. Moveu a cabeça na direção da marcha já bem próxima de nós, e senti seu semblante mudar. Um lindo pelotão de filhos de índios soldados desfilava à nossa frente. Pareceu-nos um conto de fadas. Faziam com elegância e disciplina. Traziam às mãos bandeirolas do Brasil que emprestavam um civismo inocente ao palco onde estavam. Olhei novamente para o general e vi em seus olhos lágrimas fartas que lhe escorriam pela face. Seu sorriso não se fora, estava entre suas lágrimas e discretos soluços de saudade. Não poderiam atrasar a decolagem. Tudo estava pronto.
Oito meses após nossa estada naquelas plagas, li, em minúsculo espaço de um grande jornal carioca, a notícia meio escondida meio-apagada do anúncio de seu funeral e do convite para sua missa de sétimo dia.
Eu não fui convidado. Não havia motivo para tal, mas fui. Comprei uma bandeirola do Brasil, sentei-me à última fila do banco da igreja e, imitando o semblante cívico de felicidade que meu saudoso general havia produzido lá, fi-lo para mim, apenas. Quando a missa terminou e as seis dezenas de almas, aproximadamente, saíram da igreja, a última delas, uma velha trajando um discreto vestido preto, chorosa e triste, ao cruzar por mim ainda sentado, estirou a mão, aumentou seu choro, como se lembrasse algo triste àquele instante:
"Olívio, meu marido, adorava essas bandeirolas da Pátria. Mas quem é o senhor?"
Quando lhe disse, ela, emocionada, abraçou-me e, com a dificuldade do instante, ainda pôs em um pedaço de papel sem nome e seu endereço. Agradeci-lhe mas nunca mais a vi. Apenas tenho rezado por todos. Quando vejo tremular as ditas bandeirolas, principalmente nas mãos de crianças, lembro-me do imenso exército lírico que havia no peito daquele velho general abatido pela desesperança da morte que, sem bandeirola ter, apenas destrói os que com vida param belos e vivos no caminho da história. A fortidão daquele general estava nos átrios de sua alma romântica e sob a farda verde-oliva que sempre defendeu. Que bom general! Que homem grandioso! Vi-o chorar como criança à frente de tantas outras perfiladas que lhe davam as boas-vindas. Um velho militar também chora.Os homens dos exércitos também têm coração.