APENAS UMA TARDE AZUL
Era uma tarde iluminada, e seria comum como tantas outras, em que nem se percebe que no verão é mais azul. Seria, se não fosse a voz represada na garganta, como grito sufocado, como palavras que secam na boca.
Um lampejo de carinho iluminou-lhe os olhos ao vê-la também tão sem jeito. Sabiam, sem a necessidade do verbo, que não haveria mais lugar para um outro encontro, mesmo que casual.
Como um revoar de insetos, seus pensamentos não tinham repouso nem destino, e o coração era como um corcel selvagem aprisionado em exíguo espaço. Ela ensaiou um até logo, mas calou-se. Ele interpretou como um adeus. E também calou-se.
Levantou-se, enquanto num último átimo de íntimo desespero, gravava na memória os traços daquele rosto que amava.
Sem olhar para trás, caminhou para um destino certo de incertezas...
Sem mágoas. Sem alegria.
E a tarde então ganhou a dor da claridade mística de uma aquarela que Monet não pintou, nem Vinicius descreveu, nem Wagner musicou. Nele, no entanto, seus grandes olhos imprimiram-se no quadro da memória, e não necessitavam serem descritos nem musicados; bastava-se um nome.
Juro-lhes; pude ouvi-lo balbuciar um poema de Pessoa enquanto embarcava; apurei os ouvidos e anotei alguns trechos: “[..] Já passaste, e já foste e já te amei – o sentir-te é sentir isto. [...] Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua no meu céu para que o causes, ou estranha lua submarina para que, não sei como, o finjas [...] Por isso, curva um vôo de ave, que parece que se aproxima e nunca chega, em torno ao que eu quereria dizer de ti, mas a matéria das minhas frases não sabe imitar a substância ou do som dos teus passos ou do rastro dos teus olhares, ou da cor triste e vazia da curva dos gestos que não fizeste nunca.”
Do texto não sei o título nem pude anotá-lo por completo, assim como a vida é apenas fragmentos de uma poesia incompleta e inacabável...